[Resenha a:] SEGRILLO, Angelo. Karl Marx: uma biografia dialética. Curitiba: Prismas, 2018.


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SEGRILLO, Angelo. Karl Marx: uma biografia dialética. Curitiba: Prismas, 2018.

Por Luccas Eduardo Maldonado

Na capa da edição brasileira do Dicionário do Pensamento Marxista, organizado por Tom Bottomore (2012), está estampado um grande busto de Karl Marx (1818-1883). A face do Mouro, apelido como seus amigos lhe invocavam, circunscreve-se de fotos de György Lukács, Lenin, Friedrich Engels, Herbert Marcuse, Stalin, Rosa Luxemburgo, Mao Zedong, Walter Benjamin, Trotski e Antonio Gramsci. Nessa imagem, existe uma espécie de síntese da disputa interpretativa que, em parte do século XIX e no século XX, ocorreu para com as obras de Marx. No novo milênio, parte desse debate perdeu o seu fôlego, muito devido a derrocada do “socialismo real” e as frustrações derivadas do stalinismo. Contudo, se a reflexão está posta em segundo plano então, a trajetória e a memória do Mouro coloca-se em evidência. Diversos trabalhos a respeito de sua vida foram publicados nos últimos anos e no bicentenário alguns anunciaram-se. A vida de Karl Marx vem sendo profundamente tangida, (re)estudada e disputada por tais obras. Nessa esteira, algo novo elaborou-se faz pouco tempo. Pela primeira vez um escritor brasileiro, Angelo Segrillo, dedicou-lhe um estudo biográfico, Karl Marx: uma biografia dialética (2018).

No Brasil, existe um considerável acervo de livros traduzidos sobre a vida e a obra de Karl Marx. A reunião é tão ampla, significativa e diversificada que não se mostra viável fazer uma ou um conjunto de menções uma vez que invariavelmente realizar-se-á uma série de omissões. A produção nacional, por sua vez, expressa-se de maneira distinta: há um arranjo considerável sobre o pensamento de Marx, porém a condição coloca-se distinta sobre a sua trajetória. Mais precisamente, não existia até então um estudo que englobasse integralmente, da concepção ao epitáfio, os caminhos do Mouro. Um exemplo misto, circunscrevendo ambos os aspectos, é Karl Marx: Vida e Obra de Leandro Konder (1974). Investida interessante e pioneira, mas que acaba dedicando-se muito pouco ao itinerário do prussiano, assim não o contemplando integralmente. Além disso, o livro encontra-se profundamente desatualizado, devido a sua data recuada de lançamento e a extensa bibliografia produzida nas últimas décadas.

Angelo Segrillo, atualmente docente de História Contemporânea no Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), é um expoente raro de pesquisador na academia brasileira. Possui uma formação cosmopolita como poucos, passando por instituições dos Estados Unidos da América, Rússia, Alemanha e Brasil; trajetória que lhe ofereceu um repertório de línguas vasto, característica importante nos seus trabalhos. Em certa medida, seu percurso acadêmico é uma expressão da Guerra Fria, pois, além de frequentar os principais Estados que configuravam essa situação internacional, sua especialidade temática centra-se na história soviética; inclusive, esteve no país dos sovietes fazendo seu mestrado quando o bloco estava a colapsar.

Até poucos anos atrás, a aproximação de Segrillo com Marx ocorria fundamentalmente de forma indireta; quer dizer, engajava-se em diversos assuntos conectados ao “socialismo real” que são tangentes ao pensador alemão. Todavia, começou a lançar alguns estudos sobre o pensador prussiano, a apresentar um movimento de aproximação, nos últimos tempos. Existem dois textos interessantes que mostram o caminhar rumo ao projeto biográfico. Um deles conjuga a sua tradicional especialidade temática, a Rússia, com as suas explorações sobre a trajetória do Mouro. Tal ato resultou na redação de um artigo que sintetiza as transformações das posições de Marx diante da Rússia (2017a). A outra investigação, por sua vez a mais importante, destina-se exclusivamente a trabalhar um aspecto do “problema” Karl Marx. Mais precisamente, o escrito realiza uma síntese bibliográfica, um état de l’art, de tudo que já foi elaborado, até aquele momento, sobre a vida de Marx, ou seja, uma revisão bibliográfica das biografias do autor d’O Capital (2017b).

Karl Marx: uma biografia dialética possui significativas ligações com o estudo biográfico publicado por Segrillo. Nesse texto, o docente da USP demonstra avant la lettre, do livro em si, os caminhos que iria percorrer até a concepção da obra. Como o título do trabalho resenhado anuncia, o objetivo do historiador não foi apresentar uma análise original dos caminhos de Marx, no entanto dispor um exame de sua vida a partir da comparação, do cotejo, das investigações já publicadas. Assim, inicialmente oferece o material central que dará sentido a sua finalidade, em artigo, e depois o faz, em brochura. Interessantemente o conceito de dialética, caro para os marxistas, não é manejado na sua acepção aparente, mas diferentemente do esperado remete ao método socrático de concepção do conhecimento: confronta-se premissas em busca de uma maiêutica.

Em grande medida, a biografia de Segrillo fundamenta-se na leitura comparativa das obras predecessoras, no entanto, essa não foi a sua matriz exclusiva, somente a sua faculté maitresse. Na verdade, existe um ajustamento entre as biografias anteriores e uma reunião de documentos que serve para guiar a sua narrativa. As fontes primárias manejadas pelo autor, um conhecedor da língua alemã, originam-se majoritariamente das duas empreitadas mais consolidadas de edição dos textos integrais de Karl Marx e Friedrich Engels: Marx-Engels-Gesamtausgabe(Obras Completas Marx e Engels, Mega), tanto o projeto do início do século XX (Mega1), quanto o que até hoje se entende (Mega2). Tais originais oferecem sentido a narrativa e, com o desenvolvimento da mesma, o pesquisador pondera sobre as posições e interpretações dos outros biógrafos, não obstante também utilize em menor medida outros grupos documentais, como as epistolas de Jenny e Eleanor Marx – respectivamente esposa e filha do pensador.

  Karl Marx: uma biografia dialética é um estudo interessante. Possui méritos, principalmente no sentido de erudição do escritor, que dispõe em português diversos textos originalmente em alemão, porém concomitantemente preserva diversas limitações. A sua intenção dialética cumpre-se, todavia seria interessante uma realização mais aprofundada. Um debate que mediasse com maior fôlego os escritos biográficos pretéritos, a ponderar mais claramente e extensivamente as divergências, os conceitos e as opções feitas. Em suma, tencionar alocar os textos em quadros dentro do campo de estudos sobre a vida de Marx. A sua forma de organização e a sua escrita também poderiam ter sido melhor desenvolvidas. Preterir dispor os capítulos a partir dos espaços geográficos ocupados por Marx ao longo de sua vida gerou uma construção profundamente desproporcional, passagens ou muito grandes ou muito pequenas, que pode levar o leitor a perder-se.

A investida possui duas grandes virtudes: uma em si e outras além de si. A primeira refere-se à qualidade de divulgação do livro que, nolens volens, se tornou um título de introdução ao tema, um bom caminho preliminar para se confrontar o itinerário do Mouro, conquanto haja outros textos que igualmente possam fazê-lo. No entanto, não só, inclui-se também nesse sentido o seu caráter de pedra fundamental, isto é, o trabalho de Segrillo oferece as bases, mostra os caminhos, para aqueles que desejam desenvolver movimentos semelhantes. A segunda virtude encontra-se na posição que Karl Marx: uma biografia dialética ocupou nos estudos biográficos de Karl Marx. Nos últimos anos, um americano (Sperber, 2013), um inglês (Jones, 2016) e um alemão (Neffe, 2017) publicaram três importantes investigações sobre o pensador; mais recentemente, outro autor germânico anunciou que também prepara uma contribuição.[1]Configura-se, assim, uma disputa, que existe há muito mas parece estar intensificando-se nos últimos anos, sobre a vida e a memória de Karl Marx. Em certa medida, um brasileiro editar um trabalho nesse domínio mostra a presença e o posicionamento do interesse nacional diante dessa querela; contudo, não obstante o intento, há muito para ser feito ainda no sentido qualitativo.[2]

Referências bibliográficas

Bottomore, Tom (org.). Dicionário do pensamento marxista. 2º ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

Jones, Gareth Stedman. Karl Marx: Greatness and Illusion. Londres: Allen Lane, 2016.

Konder, Leandro. Karl Marx: Vida e Obra. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1974.

Neffe, Jürgen. Marx: Der Unvollendete. München: C. Bertelsmann, 2017.

Segrillo, Angelo. Karl Marx: uma biografia dialética. Curitiba: Editora Prismas, 2018.

_____. Karl Marx e a Revolução Russa. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 30, n. 61, p. 479-496, maio-agosto 2017a.

_____. Karl Marx: um balanço biográfico. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 43, n. 3, p. 601-611, setembro-dezembro 2017b.

Sperber, Jonathan. Karl Marx: A Nineteenth-Century Life. Nova York: Liveright Publishing Corporation, 2013.

Notas

[1]Trata-se de Michael Heinrich. Alemão, membro da Mega2, que promete para os próximos anos uma trilogia dedicada a Karl Marx.

[2]A sintética reflexão do último parágrafo devo fundamentalmente as missivas trocadas com Horacio Tarcus. As conclusões são de minha responsabilidade, porém, não as alcançaria sem esse diálogo. Por isso, agradeço-lhe.


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