GOMES, Flávio dos Santos. Mocambos e Quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2015
Por Jairo de Lucena Gonçalves
Flavio dos santos Gomes é historiador e cientista social, com artigos produzidos no âmbito nacional e no exterior, sobre os seguintes assuntos: história do Brasil colônia, pós-colonial e escravidão. Seu livro está subdividido em treze partes, onde o autor busca trazer fatos muito interessantes ligados aos temas cotidianos do espaço de vivencia dos escravizados e suas resistências. Podemos destacar as redes existentes entre negros dos quilombos e os donos das tabernas ou o próprio contato que estes tinham com negros escravos das fazendas entre outros que aparecerão no decorrer da explanação.
O autor consegue trabalhar com habilidade os temas propostos, nos aproximando do objeto de estudo de uma maneira singular; Gomes escreve de uma forma que somos induzidos a viajar em sua narrativa; têm momentos que quase conseguimos enxergar os acontecimentos. É como se ele tivesse sido uma testemunha ocular dos fatos. Sabemos que tão façanha e aproximação dos fatos só podem ser conseguidas a partir de muitas leituras e reflexões sobre as fontes.
No primeiro capítulo: um fenômeno hemisférico, conseguimos perceber que o autor demostra a visão dos lusitanos em relação aos quilombos; como se todos tivessem uma organização similar, coisa característica dos europeus de outrora que não enxergavam as diversidades socioculturais. Outro tocante bastante interessante que nos chamou atenção foi a maneira que o negro foi demostrado, aquela imagem de aceitabilidade de sua condição de escravizado foi desconstruída. As imagens construídas foram de pessoas inconformadas com a realidade de aprisionamento e de exploração; que planejavam ações para minar o sistema instituído pelos dominantes.
No segundo capítulo: Formação, Gomes se preocupa em demostrar as questões embrionárias no surgimento dos quilombos, destacando que os principais integrantes vinham das fazendas, fugitivos dos latifúndios nordestinos, é salientado que, nem sempre a fuga de escravo originava um novo quilombo. Segundo o autor para um quilombo se desenvolver de fato, era necessário que estivesse consideravelmente perto dos aglomerados humanas, assim o comercio era constante. Aqueles extremamente distantes se tornavam de certa maneira enviáveis. É demostrado também a inteligência dos negros em aproveitar problemas relacionados ao cotidiano dos senhores para fugirem. Na terceira parte: Organização, o autor explana as questões ligadas as redes de contado dos quilombos com o “mundo exterior” e como essas relações foram importantes na manutenção destes. Outro ponto bem oportuno que foi demostrado pelo autor foi a questão do crescimento populacional dentro das próprias comunidades de negros fugidos, muitos nasciam dentro do quilombo e não tinham experimentado o gosto amargo da escravidão.
No quarto capítulo: Ataque e defesa, Gomes fala sobre o sucesso de muitos quilombos em relação as investidas dos colonos, nessa parte ele considera que o fator de conhecimento geográfico do espaço favorecia o negro quilombola. Algo que nos chamou a atenção, foi o fato ligado ao deslocamento dos quilombos. Em momentos de ataques estes migravam para outras regiões, por esse motivo que era tão difícil acabar com essa “doença” que prejudicava a economia e os interesses das elites de uma época. No quito capítulo: Família, mulheres e cultura, é demostrado duas questões que de certa maneira parece incomodar o autor, a imagem construída em relação aos quilombolas, um discurso do europeu colonizador que sempre justifica suas atitudes em busca do progresso, e a questão do não aparecimento das mulheres. Mulheres que foram importantes para o sucesso e a continuação dos quilombos.
Podemos perceber as questões ligadas as diferenças culturais encontradas nos quilombos, negros de muitas partes da África se encontravam neste local, e suas diferentes maneiras de enxergar o mundo era vivenciado nesses espaços. Na sexta parte: Aquilombados, negociações e conflitos, o autor demostra uma forma diferente de resistência, destacou que alguns negros não vigiam para os quilombos. Ficavam escondidos nas partes mais periféricas das fazendas; o grande objetivo era conseguir melhores condições de vida e direitos. Como por exemplo castigos mais leves e a chance de trabalharem mais dias para si.
No sétimo capítulo: Misturas étnicas, nesta parte Gomes discute as questões de construções das imagens dos indígenas e do negro em nossa sociedade. O indígena sempre visto com indivíduos inaptos para o trabalho; preguiçosos. Continuamos a reproduzir esse discurso até a atualidade. Ele também aponta para uma relação às vezes conflituosas entre negros e índios. No oitavo capítulo: Nas fronteiras com as guianas, é relatado as questões de comercialização entre os grupos residentes daquela localidade, a interação entre quilombolas e indígenas, é falado de uma espécie de redefinição das fronteiras graças essas relações socioeconômicas existentes.
No nono capítulo: Formas camponesas coloniais e pós-coloniais, nesta parte Gomes critica a maneira romantizada dos culturalistas em perceberem os movimentos quilombolas. Essa visão que predominou nas construções discursivas sobre o tema no século XX. O autor discorda da visão de Gilberto Freire, que defendia que os indivíduos escravizados aceitavam essa condição. No decimo capítulo: Em torno de palmares, é feita uma amostragem da organização do quilombo enfocando suas questões socioeconômicas; também é mostrado um documento escrito na época que fomentava a destruição de palmares. A carta é rica em detalhes e nos faz entender muitas questões referentes ao funcionamento do Quilombo dos Palmares.
No capítulo: Outros quilombos coloniais, o autor foca seu olhar para os quilombos de Minas gerais, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro em Especial. Podemos destacar as questões que fizeram da BA e de MG as regiões com maior incidência de Quilombos. As atividades açucareiras e mineradoras foram responsáveis pela grande leva de negros escravizados nesta localidade. Em seguida, a História de quilombolas e mocambeiros conta as histórias de indivíduos que residiam na região do Grão-Pará e Maranhão. As lutas, as fugas e as resistências do sistema emposto pela administração lusitana.
O que mais chama atenção nessa parte é a riqueza de fontes utilizadas por Gomes, ele consegue “costurar” as informações nos dando uma visão de como as coisas se organizavam no século XIX, que aponta na questão da libertação dos escravos, que segundo o autor continuaram a lutar por seus direitos quase inexistentes. Gomes se despede com a parte intitulada: Remanescentes e simbologias dos vários quilombos dos Brasil, onde ele salienta que, as políticas públicas para anteder os descendentes dos escravos foram poucas ou ineficazes em sua maioria. Os quilombos contemporâneos vivem em uma espécie de isolamento social.
O autor enfoca o papel do Movimento Negro na luta pelo reconhecimento cultural e territorial. Muitos são os processos que se estendem na justiça em busca especialmente de demarcações de terra, direito a saúde e a uma educação inclusiva que desmonte essa imagem errônea do negro. O livro de Gomes aguça o olhar, não apenas em quanto pesquisadores do campo da história, mais também, no que se refere ao reconhecimento do ser negro. Temos que concordar que aquele discurso do negro subalterno, criado para ser ensinado as crianças e jovens não se aproxima da realidade vivenciada pelos escravizados de outrora.
Podemos perceber no transcorrer da leitura que os negros construíram suas redes sociais, e suas táticas de resistências. Em diferentes lugares do Brasil, usando táticas similares foram vencendo, burlando o sistema, criando condições para que hoje, seus sucessores continuem essa empreitada. O livro de Gomes é, portnato, uma leitura acessível e rica de fontes para a reconstrução da resistência negra desde o período colonial até as lutas mais contemporâneas.