Apresentação

Essa edição encerra um ciclo de onze edições da Outubro publicadas exclusivamente online. Foram cinco anos de muito trabalho que envolveu a progressiva formação de um coletivo de redação cotidiano, centenas de autores e autoras e dezenas de milhares de leitores e leitoras no Brasil e internacionalmente.

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Populismo e nacional-popular


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Populismo e nacional-popular

Resumo: O artigo visa investigar qual foi a utilização efetiva do termo “populismo” por Antônio Gramsci, como forma de contribuir com o debate contemporâneo sobretudo a partir da reativação da discussão por Ernesto Laclau. O autor se distancia da primeira interpretação de Asor Rosa sobre o tema, para demonstrar que o uso do termo por Gramsci é bastante mais complexo: afirma que nos Quaderni, Gramsci direciona a atenção para a sensibilidade populista também em áreas diferentes daquelas dos movimentos políticos de esquerda, e isso, às vezes, sem tomar uma atitude de denúncia, mas, em geral, para extrair o núcleo que deve ser desenvolvido em uma política genuinamente “popular”. Neste sentido, a lição autêntica dos textos gramscianos parece ajudar a imunizar contra o uso contemporâneo do termo “populismo”, entendido como estigma imprimido às posições críticas das desigualdades e, por outro, à própria tendência, por parte dos ambientes socioculturais progressistas ou liberal, de liquidar como fenômenos meramente “patológicos” o consenso popular dado às leadership populistas, inclusive às de tipo reacionário. 

Palavras-chave: 1. Gramsci; 2. Populismo; 3. Nacional-Popular

Abstract: The article aims to investigate what was the effective use of the term “populism” by Antonio Gramsci, as a way to contribute to the contemporary debate, mainly because of the reactivation of the discussion by Ernesto Laclau. The author distances himself from Asor Rosa’s first interpretation of the subject, to show that Gramsci’s use of the term is much more complex: he states that in the Quaderni Gramsci directs attention to populist sensibility also in areas other than those of leftists political movements, sometimes without taking a denouncing attitude, but in general to extract the core that should be developed into a genuinely “popular” politic. In this sense, the authentic lesson of the Gramsian texts seems to help to immunize against the contemporary use of the term “populism”, understood as a stigma imprinted on the critical positions of inequalities and, on the other hand, on the tendency of progressive or liberal sociocultural environments. to settle as merely “pathological” phenomena the popular consensus given to populist leaderships, including reactionary ones.

Keywords: 1. Gramsci; 2. Populism; 3. National-Popular

Feminismo e a renovação do marxismo


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Feminismo, ponto de renovação do marxismo

Resumo: Nos últimos anos, diversos países presenciaram um crescimento significativo do feminismo, algo que tem estimulado teóricas e ativistas a levantarem de maneira cada vez mais contundente a constatação de emergência de uma “nova onda” deste movimento. Este artigo pretende se ater a apreciação de uma das linhagens do pensamento e prática feminista que tem se destacado neste novo cenário de ascensão: o feminismo marxista. Mais especificamente, pretende-se trabalhar a ideia de que, com a crise capitalista iniciada em 2008, foi aberto um novo capítulo de sua história. Para isso, será feita uma breve recuperação (em termos históricos e teóricos) das relações entre feminismo e marxismo, das elaborações iniciais feitas a partir da obra de Marx e Engels até a formulação recente de um “feminismo para os 99%”. Será trabalhada a hipótese de que o feminismo mais uma vez se apresenta como um locus de renovação do marxismo, no qual suas dimensões constitutivas – teoria e prática – têm sido recolocadas e testadas.

Palavras-chave: 1. Feminismo Marxista; 2. Feminismo Socialista; 3. Feminismo para os 99%

Feminism, renewal point of Marxism

Abstract: In recent years, several countries have witnessed significant growth in feminism, something that has encouraged theorists and activists to increasingly raise the awareness of the emergence of a “new wave” of this movement. This article aims to focus on the appreciation of one of the lineages of feminist thought and practice that has stood out in this new rising scenario: Marxist feminism. More specifically, we intend to work with the idea that with the capitalist crisis that began in 2008, a new chapter of its history was opened. For this, a brief recovery (in historical and theoretical terms) of the relations between feminism and Marxism will be made, from the initial elaborations made from the work of Marx and Engels to the recent formulation of a “feminism for the 99%”. It will work with the hypothesis that feminism once again presents itself as a locus of renewal of Marxism, in which its constitutive dimensions – theory and practice – has been relocated and tested.

Key words: 1. Marxist Feminism; 2. Socialist Feminism; 3. Feminism for the 99%

O partido marxista-leninista: contribuições teóricas e dilemas históricos


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Concepção de partido marxista-leninista: contribuições teóricas e dilemas históricos

Resumo: O presente artigo analisa a contribuição específica de Lênin para o modelo partidário que se convencionou denominar posteriormente por partido marxista-leninista. O modelo dos partidos comunistas foi gestado no início do século XX, tendo como modelo paradigmático a III Internacional Comunista. Para a construção desse modelo, contudo, as ideias de Vladimir Lênin não foram as únicas referências.  Depois de sua morte, o modelo absorveria outras influências que definiram seu modelo partidário, particularmente a de Stálin.

Palavras-chave: 1. Partidos comunistas; 2. Teoria leninista de partido; 3. Comunismo internacional

 

Marxist-Leninist Party Conception: Theoretical Contributions and Historical Dilemmas

Abstract: This article analyzes Lenin’s specific contribution to the partisan model that was later referred to as the Marxist-Leninist party. The model of communist parties was born at the beginning of the twentieth century, having as paradigmatic model the III Communist International. For the construction of this model, however, Vladimir Lenin’s ideas were not the only references. After his death, the model would absorb other influences that defined his partisan model, particularly that of Stalin.

Keywords: 1. Communist Parties; 2. Leninist Party Theory; 3. International Communism

Influxos teóricos na luta armada: a Dissidência Comunista da Guanabara (DI-GB/MR-8)


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Influxos teóricos na luta armada: a Dissidência Comunista da Guanabara

Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir as referências teóricas das organizações políticas da esquerda armada brasileira que propuseram o enfrentamento à ditadura civil-militar. Analisando, de forma pormenorizada, a linha política de uma das organizações que empreendeu a luta armada contra a ditadura – a Dissidência Comunista da Guanabara (DI-GB/MR-8) – buscamos remontar a miscelânea de referências teóricas que balizaram a opção da organização pelas armas, por vezes não congruentes entre si e apropriadas de forma seletiva. Dessas análises conjunturais e teórico-estratégicas, expressas na linha política, visamos demonstrar, às voltas com as comemorações de sessenta anos da revolução cubana e dos cinquenta anos de 1968, a forte influência – apesar das divergências – dos dois fenômenos na opção e consolidação da luta armada como estratégia para realização da revolução brasileira.

Palavras-chave: 1. Luta armada; 2. Ditadura; 3. Esquerda revolucionária 

 

Theoretical influences on armed struggle: the Guanabara’s Communist Dissent

Abstract: This article aims to discuss the theoretical references of the political organizations of the Brazilian armed left that proposed the confrontation with the civil-military dictatorship. Analyzing, in detail, the political line of one of the organizations that started the armed struggle against the dictatorship – the Communist Dissent of Guanabara (DI-GB / MR-8) – we sought to reassemble the miscellany of theoretical references that marked the organization’s choice weapons, sometimes not mutually congruent and selectively appropriated. From these conjuncture and theoretic-strategic analysis, expressed in the political line, we intend to demonstrate, with the celebrations of sixty years of the Cuban revolution and the fifty years of 1968, the strong influence – despite the divergences – of the two phenomena in the choice and consolidation of the armed struggle as a strategy for the realization of the Brazilian revolution.

Keywords: 1. Armed struggle; 2. Dictatorship; 3. Revolutionary Left 

[Resenha a:] HOBSBAWM, Eric. Viva la revolución: a era das utopias na América Latina. Organização: Leslie Bethell. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.


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HOBSBAWM, Eric. Viva la revolución: a era das utopias na América Latina. Organização: Leslie Bethell. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 

Por Bernardo Geraldini

O historiador britânico Eric Hobsbawm teve uma relação bastante intensa com a América Latina. Essa intensidade se nota nas amizades que aí construiu, nas suas várias (e longas) viagens ao continente, realizadas principalmente nas décadas de 1960 e 1970, e na popularidade de que suas obras aí gozaram. Seus escritos sobre a região somam agora cerca de quinhentas páginas, em volume organizado pelo brasilianista Leslie Bethell. 

Não sendo Hobsbawm um latino-americanista (como ele próprio assume), talvez fosse de se esperar que a maioria dos capítulos não seguisse a forma acadêmica tradicional. Evidentemente, e assim como ocorre com sua famosa obra sobre o “breve século XX”, a não conformidade com o dispositivo acadêmico tem alguns traços que devem ser relevados. O primeiro e mais importante deles é a fluidez do texto, que chamará a atenção principalmente de leitoras e leitores que também leram as obras mais propriamente acadêmicas do autor. Assim, em geral, os escritos sobre a América Latina são menos densos, contém menos informações e requerem menos pausas do que, por exemplo, as obras de Hobsbawm sobre o trabalho ou sobre a crise econômica europeia do século XVII. A contraparte dessa fluidez que ficará mais clara para a/o especialista em América Latina é a eventual falta de dados e/ou a ausência de um tratamento sistemático dos mesmos. Entretanto, isso não é problemático, já que proposta deste livro evidentemente nunca foi a de constituir um compêndio ou um “manual” sobre a região. 

Esses traços nos levam àquilo que é, creio, um dos pontos fortes de Viva la revolución: o livro explora a relação que diversas teorias (principalmente sobre consciência de classe, mobilização popular e revolução, mas também sobre neofeudalismo, por exemplo) têm com a situação histórica da América Latina frente ao restante do mundo. Isto é, o caráter ensaístico do texto e o foco em casos específicos (por oposição a tentativas de esgotar os vários fatos e dados sobre a região) deixam amplo espaço para a reflexão sobre como a inserção no mundo capitalista a partir da periferia condiciona os processos históricos desta última. 

Nessa chave de leitura, a parte II do livro, “Estruturas agrárias”, é emblemática: ao tratar do caso do Peru, Hobsbawm afirma que o avanço do capitalismo em meados do século XX fez prosperar um modo de produção que é praticamente indistinguível do feudalismo clássico. E, o que é mais, sua análise não se serve de fatalismos históricos: como ele próprio coloca, é “imprudente confiar demais em explicações históricas” (p. 150), pois seria perfeitamente possível supor que o neofeudalismo tenha sido “uma consequência necessária da decisão de realizar o cultivo da propriedade em condições de escassez de trabalho” (idem). Assim, voltam à tona o caráter sui generis da América Latina (quando em comparação com o centro do capitalismo) e o debate sobre circulação e modo de produção, o que torna o bloco particularmente interessante aos que se dedicam ao estudo do desenvolvimento do capitalismo.

A parte IV, “Revoluções e revolucionários”, também se acorda parcialmente com o modo de análise que enfoca as relações exteriores. Nesse sentido, o capítulo sobre a Revolução Mexicana de 1910 relativiza a autonomia política do México ao cotejar cada movimento dos protagonistas revolucionários (e contrarrevolucionários) com as ações e reações dos Estados Unidos. A Revolução Cubana é tratada em termos similares. Já o capítulo sobre o imperialismo norte-americano e seu papel na América Latina, ao que tudo indica, foi construído com base em resenhas escritas por Hobsbawm. Como algumas das obras resenhadas foram feitas por autores simpáticos à hegemonia norte-americana, o capítulo tem o efeito curioso de demonstrar como o poderio dos Estados Unidos nos vários âmbitos — econômico, político, cultural — parecia limitado a esses autores (e também a Hobsbawm), que escreviam em fins dos anos 1960. Afinal, naquele momento, diversos países “(Cuba, Chile, Peru, Bolívia) se inclinaram para a esquerda” (p. 358). Desse modo, “[as] perspectivas para a esquerda na década de 1970 [eram] animadoras” (p. 359). 

Há pouco, no livro, sobre como Hobsbawm reagiu ao desmentido dessas perspectivas, com possível exceção para o caso do Chile. Pois além de um capítulo escrito em 1971 sobre os limites e possibilidades do regime de Salvador Allende, há uma denúncia apaixonada do golpe de 1973 e do assassinato do presidente: “[…] a esquerda subestimou o medo e ódio da direita e a facilidade com que homens e mulheres bem-vestidos adquirem um gosto por sangue”. (p. 449). No entanto, afinal são poucas as páginas dedicadas à análise do fracasso do regime terminado em 1973.

A parte III, “Camponeses”, trata de tópicos aos quais Hobsbawm se dedicou profissionalmente. A meu ver, é nesta parte que o intelecto poderoso do autor mais salta aos olhos. Isso se verifica na sua erudição, na cautela com que faz a teorização sobre grupos sociais não europeus, na análise comparativa que resulta ao fim, e na espontaneidade com que todos esses elementos são articulados. A inflexão geral do bloco III é a da resposta que os camponeses dão quando pressionados pela modernização. Assim sendo, são descritas a mobilização camponesa e o fenômeno de sua politização, com todos os percalços característicos. Aqui, a influência do marxismo é mais sensível, principalmente no que diz respeito à teoria da história. Por exemplo, lemos que o banditismo social “parece ocorrer em todos os tipos de sociedade humana que se encontram entre a fase evolutiva da organização tribal […] e a sociedade capitalista e industrial moderna” (p. 155). Desse modo, o autor se preocupa não só com os fatos históricos, mas também com um modelo explicativo no qual esses fatos possam se encaixar. Estamos diante, portanto, de um caso prático que encarna a teoria seguida pelo historiador: em Mundos do trabalho, por exemplo, ele coloca que para nos ocuparmos com “as questões realmente significativas sobre as transformações históricas da sociedade”, devemos ter subjacente “um modelo teórico de sociedades e de transformações” (Hobsbawm, 2005, p. 35). 

Ainda sobre a parte III, vale mencionar um capítulo curioso sobre insurreições camponesas, que segue a mesma fórmula de emparelhar teoria e história e cujas questões colocadas (e deixadas em aberto) são bastante instigantes: por que as insurreições são mais frequentes neste ou naquele lugar? O que leva a que determinada região seja palco de movimentos preferencialmente compostos por marginais, foras da lei, e bandidos, enquanto que outras mobilizam comunidades e se baseiam em costumes comuns? Apesar de intrigantes, o fato de esse capítulo (de nove páginas) ser um ensaio inacabado faz com que essas questões fiquem formuladas de maneira algo incompleta. Aqui, por oposição às demais obras de Hobsbawm, faz falta o apreço que o autor tinha por exemplos e casos reais. Além disso, a parte final do capítulo é composta basicamente por aforismos, o que pode torná-lo menos proveitoso para os não iniciados, que talvez não disponham de referências que os permitam ter uma boa interlocução com o texto.

Creio ser possível afirmar que o centro de gravidade da parte III está ligado à teorização que o “velho” Lukács (2003) faz sobre a consciência de classe — teorização, aliás, que é pano de fundo para todo o livro. Assim, os casos de movimentos camponeses no Peru e na Colômbia, por exemplo, são descritos de forma minuciosa e cuidadosa, mas o que de fato surpreende é a concatenação que Hobsbawm faz daquilo que é quase a histoire événementielle desses movimentos com a teoria de Lukács sobre como o capitalismo viabiliza a consciência de classe e o potencial revolucionário. É por este caminho, por exemplo, que é descrito o processo por meio do qual o movimento camponês de La Convención, no Peru, foi potencializado pelos comunistas locais.

Outras temáticas tais como a do subdesenvolvimento e a da teoria da dependência também são bastante mobilizadas, principalmente num bloco de capítulos sobre o regime militar peruano. A leitura que Hobsbawm faz da tentativa de modernização empreendida pelos generais peruanos nos anos 1960 parece bastante sólida, sobretudo ao apontar como a dinâmica do poder mundial limita a margem de manobra dos países periféricos. É nesses termos, e com certa similaridade às propostas de Florestan Fernandes (1987) e Carlos Nelson Coutinho (1985), que Hobsbawm afirma que a inexistência de uma burguesia nacional peruana acabou por largar no colo do Estado (isto é, dos militares) o protagonismo da transformação social. 

Em suma, o motivo que permeia todo o texto é o mesmo que parece ter guiado o autor em sua vida profissional, qual seja, o da interpretação — com vistas à transformação — do mundo. E o que é mais, o historiador interpreta a região com atenção suficiente para não incorrer em erros tais como fazer uso de categorias analíticas estranhas à realidade latino-americana. Está atento, portanto, às “ideias fora do lugar”.

Finalmente, ocorre que os escritos de Hobsbawm das décadas de 1960 e 1970, período de grande agitação na América Latina, carregam uma centelha de otimismo, ao passo que suas reflexões posteriores são mais sóbrias e contam com o que o próprio autor chamou de “a arma final do historiador, a retrovisão” (Hobsbawm, 2013, p. 249). Foi a retrovisão que o permitiu ver que a “era das utopias” nesse continente foi, enfim, menos permissiva à transformação social do que dava a impressão de ser. As forças conservadoras, internas e externas, se mostraram mais vigorosas. No entanto, a passagem cronológica de um tom esperançoso a outro quase melancólico não deve encobrir o profundo senso de indignação que o autor exibe frente à injustiça social. É esse o sentimento que prevalece no livro e que, mais do que servir como desculpa para a resignação, age como estímulo à análise e à mobilização.

Referências bibliográficas

Coutinho, C. N. As categorias de Gramsci e a realidade brasileira. In: Coutinho, C. N; Nogueira, M. A. (orgs.). Gramsci e a América Latina. Rio se Janeiro: Paz e Terra, 1985.

Fernandes, F. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaios de interpretação sociológica. Rio de Janeiro, Guanabara, 1987.

Hobsbawm, E. Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária. São Paulo: Paz e Terra, 2005. 

_____. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

Lukács, G. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

[Resenha a:] GOMES, Flávio dos Santos. Mocambos e Quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil. São Paulo: Ed. Claro Enigma, 2015.


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GOMES, Flávio dos Santos. Mocambos e Quilombos: uma história do campesinato negro no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2015

Por Jairo de Lucena Gonçalves 

Flavio dos santos Gomes é historiador e cientista social, com artigos produzidos no âmbito nacional e no exterior, sobre os seguintes assuntos: história do Brasil colônia, pós-colonial e escravidão. Seu livro está subdividido em treze partes, onde o autor busca trazer fatos muito interessantes ligados aos temas cotidianos do espaço de vivencia dos escravizados e suas resistências. Podemos destacar as redes existentes entre negros dos quilombos e os donos das tabernas ou o próprio contato que estes tinham com negros escravos das fazendas entre outros que aparecerão no decorrer da explanação.

O autor consegue trabalhar com habilidade os temas propostos, nos aproximando do objeto de estudo de uma maneira singular; Gomes escreve de uma forma que somos induzidos a viajar em sua narrativa; têm momentos que quase conseguimos enxergar os acontecimentos. É como se ele tivesse sido uma testemunha ocular dos fatos. Sabemos que tão façanha e aproximação dos fatos só podem ser conseguidas a partir de muitas leituras e reflexões sobre as fontes. 

No primeiro capítulo: um fenômeno hemisférico, conseguimos perceber que o autor demostra a visão dos lusitanos em relação aos quilombos; como se todos tivessem uma organização similar, coisa característica dos europeus de outrora que não enxergavam as diversidades socioculturais. Outro tocante bastante interessante que nos chamou atenção foi a maneira que o negro foi demostrado, aquela imagem de aceitabilidade de sua condição de escravizado foi desconstruída. As imagens construídas foram de pessoas inconformadas com a realidade de aprisionamento e de exploração; que planejavam ações para minar o sistema instituído pelos dominantes. 

No segundo capítulo: Formação, Gomes se preocupa em demostrar as questões embrionárias no surgimento dos quilombos, destacando que os principais integrantes vinham das fazendas, fugitivos dos latifúndios nordestinos, é salientado que, nem sempre a fuga de escravo originava um novo quilombo. Segundo o autor para um quilombo se desenvolver de fato, era necessário que estivesse consideravelmente perto dos aglomerados humanas, assim o comercio era constante. Aqueles extremamente distantes se tornavam de certa maneira enviáveis. É demostrado também a inteligência dos negros em aproveitar problemas relacionados ao cotidiano dos senhores para fugirem. Na terceira parte: Organização, o autor explana as questões ligadas as redes de contado dos quilombos com o “mundo exterior” e como essas relações foram importantes na manutenção destes. Outro ponto bem oportuno que foi demostrado pelo autor foi a questão do crescimento populacional dentro das próprias comunidades de negros fugidos, muitos nasciam dentro do quilombo e não tinham experimentado o gosto amargo da escravidão. 

 No quarto capítulo: Ataque e defesa, Gomes fala sobre o sucesso de muitos quilombos em relação as investidas dos colonos, nessa parte ele considera que o fator de conhecimento geográfico do espaço favorecia o negro quilombola. Algo que nos chamou a atenção, foi o fato ligado ao deslocamento dos quilombos. Em momentos de ataques estes migravam para outras regiões, por esse motivo que era tão difícil acabar com essa “doença” que prejudicava a economia e os interesses das elites de uma época. No quito capítulo: Família, mulheres e cultura, é demostrado duas questões que de certa maneira parece incomodar o autor, a imagem construída em relação aos quilombolas, um discurso do europeu colonizador que sempre justifica suas atitudes em busca do progresso, e a questão do não aparecimento das mulheres. Mulheres que foram importantes para o sucesso e a continuação dos quilombos.

Podemos perceber as questões ligadas as diferenças culturais encontradas nos quilombos, negros de muitas partes da África se encontravam neste local, e suas diferentes maneiras de enxergar o mundo era vivenciado nesses espaços. Na sexta parte: Aquilombados, negociações e conflitos, o autor demostra uma forma diferente de resistência, destacou que alguns negros não vigiam para os quilombos. Ficavam escondidos nas partes mais periféricas das fazendas; o grande objetivo era conseguir melhores condições de vida e direitos. Como por exemplo castigos mais leves e a chance de trabalharem mais dias para si. 

No sétimo capítulo: Misturas étnicas, nesta parte Gomes discute as questões de construções das imagens dos indígenas e do negro em nossa sociedade. O indígena sempre visto com indivíduos inaptos para o trabalho; preguiçosos. Continuamos a reproduzir esse discurso até a atualidade. Ele também aponta para uma relação às vezes conflituosas entre negros e índios. No oitavo capítulo: Nas fronteiras com as guianas, é relatado as questões de comercialização entre os grupos residentes daquela localidade, a interação entre quilombolas e indígenas, é falado de uma espécie de redefinição das fronteiras graças essas relações socioeconômicas existentes. 

No nono capítulo: Formas camponesas coloniais e pós-coloniais, nesta parte Gomes critica a maneira romantizada dos culturalistas em perceberem os movimentos quilombolas. Essa visão que predominou nas construções discursivas sobre o tema no século XX. O autor discorda da visão de Gilberto Freire, que defendia que os indivíduos escravizados aceitavam essa condição. No decimo capítulo: Em torno de palmares, é feita uma amostragem da organização do quilombo enfocando suas questões socioeconômicas; também é mostrado um documento escrito na época que fomentava a destruição de palmares. A carta é rica em detalhes e nos faz entender muitas questões referentes ao funcionamento do Quilombo dos Palmares.

No capítulo: Outros quilombos coloniais, o autor foca seu olhar para os quilombos de Minas gerais, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro em Especial. Podemos destacar as questões que fizeram da BA e de MG as regiões com maior incidência de Quilombos. As atividades açucareiras e mineradoras foram responsáveis pela grande leva de negros escravizados nesta localidade. Em seguida, a História de quilombolas e mocambeiros conta as histórias de indivíduos que residiam na região do Grão-Pará e Maranhão. As lutas, as fugas e as resistências do sistema emposto pela administração lusitana. 

O que mais chama atenção nessa parte é a riqueza de fontes utilizadas por Gomes, ele consegue “costurar” as informações nos dando uma visão de como as coisas se organizavam no século XIX, que aponta na questão da libertação dos escravos, que segundo o autor continuaram a lutar por seus direitos quase inexistentes. Gomes se despede com a parte intitulada: Remanescentes e simbologias dos vários quilombos dos Brasil, onde ele salienta que, as políticas públicas para anteder os descendentes dos escravos foram poucas ou ineficazes em sua maioria. Os quilombos contemporâneos vivem em uma espécie de isolamento social.

O autor enfoca o papel do Movimento Negro na luta pelo reconhecimento cultural e territorial. Muitos são os processos que se estendem na justiça em busca especialmente de demarcações de terra, direito a saúde e a uma educação inclusiva que desmonte essa imagem errônea do negro. O livro de Gomes aguça o olhar, não apenas em quanto pesquisadores do campo da história, mais também, no que se refere ao reconhecimento do ser negro. Temos que concordar que aquele discurso do negro subalterno, criado para ser ensinado as crianças e jovens não se aproxima da realidade vivenciada pelos escravizados de outrora. 

Podemos perceber no transcorrer da leitura que os negros construíram suas redes sociais, e suas táticas de resistências. Em diferentes lugares do Brasil, usando táticas similares foram vencendo, burlando o sistema, criando condições para que hoje, seus sucessores continuem essa empreitada. O livro de Gomes é, portnato, uma leitura acessível e rica de fontes para a reconstrução da resistência negra desde o período colonial até as lutas mais contemporâneas.     

   

     

[Resenha a:] MARKUS, G. Marxismo e Antropologia. O Conceito de “essência humana” na filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2015.


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MARKUS, G. Marxismo e Antropologia. O Conceito de “essência humana” na filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2015.

Por Filipe Leite Pinheiro

Primeiro livro de György Márkus (1934-2016) internacionalmente conhecido, Marxismo e Antropologia: o conceito de ‘essência humana’ na filosofia de Marx, teve duas edições húngaras (1965; 1972), foi traduzido para o espanhol (1974), japonês (1975), italiano (1978), inglês (1978), alemão (1981), e recentemente reeditado pela editora alemã Modem-Verlag (2014).

Entre o público brasileiro György Márkus notabilizou-se por Teoria do Conhecimento no Jovem Marx (1974), coletânea de textos nos quais emprega os Manuscritos Econômico-filosóficos para debater problemas fundamentais da teoria do conhecimento. Em uma nota de rodapé ao final do prefácio desta edição, Carlos Nelson Coutinho anuncia que Marxismo e Antropologia seria a próxima obra de Márkus traduzida pela Editora Paz e Terra, que tinha como propósito publicar as obras dos integrantes da Escola de Budapeste. Tal expressão foi cunhada por György Lukács em uma carta ao suplemento literário do The Times, pouco antes de sua morte, em 1971, para referir-se ao grupo de intelectuais engajados no movimento de renovação do marxismo húngaro ao longo dos anos 1960; seriam eles: Agnes Heller, Ferenc Fehér, Mihály Vadja e György Márkus. Contudo, Marxismo e Antropologia somente seria editado no Brasil quarenta anos depois.

A despeito da conhecida passagem de Pensamento Vivido na qual Lukács (1999, p. 143) afirma que Márkus não foi seu aluno, enfatizando a aproximação intelectual tardia de ambos, Coutinho (1974, p. 13) observa que Márkus se apropria não apenas da problemática juvenil de Lukács, mas também de muitas das soluções empregadas em sua maturidade. Se esta problemática já figura no ensaio de Márkus sobre jovem Marx, redigido em 1958, em Marxismo e Antropologia, publicado em 1965, aquelas soluções tomam forma particular. Tal posicionamento reaparece no artigo intitulado “Discussões e tendências na filosofia marxista”, redigido em 1968 e publicado como último capítulo de Teoria do Conhecimento no Jovem Marx.

Marxismo e Antropologia traz como tese principal a centralidade do conceito de essência humana para o pensamento de Marx. Segundo seu autor, a desconexão com este conceito conduz à antinomias insolúveis e coloca a necessidade de esclarecer sua relação com a totalidade do corpus textual de Marx, considerando a antropologia filosófica de Marx “não a partir da expressão mais tradicional, ‘concepção filosófico-antropológica’, mas sim como a ‘ontologia do ser social marxiana’, expressão cunhada por György Lukács” (p. 18). Nesse sentido, é perceptível que a antropologia filosófica apresentada por Márkus se afasta de perspectivas positivistas e cientificistas da disciplina, referindo-se principalmente à análise histórica do conceito de essência humana, do mesmo modo que Lukács em sua maturidade.

Influenciado por seu mentor, Márkus interpreta o pensamento de Marx como uma resposta à grande questão filosófica das essências, expressando um tertium datur para o dilema de Parmênides e Heráclito. Um mérito da contribuição do autor é estender esta crítica aos correlatos destes posicionamentos filosóficos no campo marxista: no primeiro caso, a essência humana é interpretada como um atributo fixo e a-histórico derivado antropologicamente de uma verdadeira natureza do ser humano, como no moralismo de Erich Fromm (1962); no segundo caso, a essência humana é totalmente dissolvida nas estruturas sociais, como no relativismo histórico de Louis Althusser (2015). Ao longo do ensaio Márkus defende uma definição móvel e histórica do conceito de essência humana que permite compreender dialeticamente a relação entre o agir humano e as estruturas sociais.

Em sua defesa da centralidade do conceito de essência humana, Márkus remete principalmente aos Manuscritos Econômico-filosóficos, mas também mobiliza o conjunto de textos à época disponíveis para embasar a defesa de seu ponto de vista. Dentre suas referências figuram tanto textos da  juventude de Marx, como a Crítica da filosofia do direito de Hegel, quanto textos da maturidade, como os Grundrisse  e os três livros de O Capital.

No primeiro ensaio, “O Homem como Ser Natural Universal”, Márkus começa se perguntando “O que é homem nos termos de Marx?”. O autor observa que, na totalidade de seus textos, Marx caracteriza o ser humano como ser sensorial, físico, natural, trazido à existência por processos naturais e não conscientes; um ser que faz parte da natureza, e é resultado da evolução das espécies. Como ser natural vivo, o ser humano é finito e limitado quanto às capacidades e necessidades, e dirige seus impulsos para objetos a ele exteriores, indispensáveis à efetivação de suas forças essenciais; ou seja, são seres dependentes e condicionados.

Enquanto atividade reprodutiva humana, o trabalho difere da atividade reprodutiva dos animais pelo aumento das forças produtivas disponíveis e pela aquisição de novas capacidades. A atividade reprodutiva animal limita-se a consumir objetos naturais, imediatamente apropriados da natureza, por conterem certas propriedades físico-químicas; de modo que sua meta e suas capacidades para atingi-lo são fixadas por sua constituição biológica, moldada pela evolução e, portanto, imutável no curto prazo. Por isso, há uma gama limitada de regularidades naturais em torno das quais o comportamento animal é orientado, caracterizando-se por um modo de viver inato. Já a atividade reprodutiva humana elabora objetos apropriados da natureza através da mediação do trabalho e submete as forças da natureza às suas necessidades, ao passo que também reproduz consigo certo grau de subordinação à natureza.

Incialmente pressupostos de toda a ação humana, no decurso do desenvolvimento social as necessidades humanas são socialmente produzidas, passando a orientar a produção. Esta inversão na relação entre necessidades e atividade produtiva reflete-se em uma tendência à crescente produção e elaboração social das necessidades. Produzem-se deste modo a gradual humanização das necessidades biológicas e originam-se necessidades puramente sociais, como a organização política, o Estado, a moral, a ciência, etc. A condição de ser natural capaz de produzir socialmente a sua própria natureza conduz à crescente universalização do ser humano no plano natural.

No segundo ensaio, “O Homem como ser Natural, Social e Consciente”, Márkus estende sua análise a outros dois planos, sociedade e consciência. O autor enfatiza o caráter social, comunal e genérico do ser humano, destacando que a essência humana somente se confirma no ato da produção, que, por sua vez, é um ato social na medida em que as próprias forças produtivas das quais dispõem os indivíduos possuem caráter social. Nesse sentido, a atividade do indivíduo produtor também é sempre uma atividade sócio-histórica, já que seus instrumentos de trabalho são eles mesmos resultado da apropriação de forças produtivas trazidas à existência pelas gerações pregressas.

O plano da consciência é outro atributo da atividade humana destacado por Márkus. Como atividade mediadora entre a necessidade e sua satisfação, o trabalho pressupõe a não-coincidência entre motivo da ação e seu objeto, o que torna necessário a ideação prévia. Ao elaborar o objeto natural de maneira consciente através do trabalho, o sujeito que trabalha se separa do objeto trabalhado, e se coloca diante dele como sujeito. Com a conclusão do processo de trabalho o resultado obtido no objeto trabalhado retroage sobre o plano previamente estabelecido pelo sujeito, viabilizando a subordinação de forças da natureza antes desconhecidas à satisfação de novas necessidades, e, consequentemente, uma prática cada vez mais consciente.

Márkus frisa que a consciência é sempre consciência de algo e tem sempre uma orientação objetual, ou seja, é sempre intencional. Se por um lado, a consciência aparece como reprodução mental da realidade a qual se refere, por outro, aparece como produção mental de objetivos, ideais e valores que se realizam por meio da atividade prática nesta realidade. Mesmo a consciência sensível não pode ser concebida como uma recepção passiva ou contemplativa, mas sim como uma forma de atividade produtiva, que envolve a seleção e apropriação de certos estímulos da natureza. Um último pressuposto importante da consciência é a linguagem e a comunicação, ou seja, algum grau de intersubjetividade e a possibilidade de expressar para os outros e para si mesmo algo que se deseja fazer.

No terceiro e último ensaio, “Essência humana e a História”, Márkus retoma os três aspectos principais do conceito de essência humana discutidos anteriormente, estendo-os e aprofundando-os. De acordo com a sua concepção, a essência do homem pode ser encontrada no trabalho, na sociabilidade e na consciência, assim como a universalidade que abarca e se manifesta em cada um destes momentos. Para o autor o ser humano é um ser natural, social e consciente, em processo de constante universalização. Tal definição repousa sobre uma caracterização móvel do conceito de substância, que o permite destacar esta universalização constante. Estes elementos presentes na reflexão de Márkus certamente são resultado de sua assimilação da contribuição madura de Lukács.

 

Referências bibliográficas

Althusser, L. Por Marx. Campinas: Editora Unicamp, 2015.

Coutinho, C. N. Prefácio. In: Márkus, G. Teoria do conhecimento no jovem Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

Fromm, E. O Conceito Marxista de Homem. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1962.

Lukács, G. Pensamento vivido: autobiografia em dialogo de György Lukács. Entrevista a  István Eórsi e Ersébert Vezér. São Paulo/Viçosa: Estudos e Edições ad Hominem; Editora da UFV,1999.

Márkus, G. Teoria do conhecimento no jovem Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.