“Rosa Luxemburgo e Marielle Franco foram assassinadas porque incomodavam”: entrevista com Michael Löwy

ACESSE O PDF

Michael Löwy, sociólogo brasileiro e diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), concedeu esta entrevista exclusiva em 11 de janeiro de 2019, em Paris. Especialista em sociologia das religiões e pesquisador do pensamento de Walter Benjamin, há décadas Löwy acompanha o desenvolvimento dos movimentos sociais, correntes políticas e intelectuais socialistas e marxistas na América Latina e, particularmente, no Brasil. Nesta entrevista, discute a chamada “onda conservadora” dos últimos anos, com a emergência de movimentos e lideranças políticas neoconservadoras ao redor do mundo. Diferente dos analistas que buscam uma única causa ou origem deste processo, Löwy articula diferentes contradições presentes nas dinâmicas capitalistas contemporâneas, a necessidade intrínseca destas em destruir diferentes relações sociais estabelecidas, especialmente aquelas ligadas às formas de solidariedade e resistência comum diante da dissolução do meio ambiente e das formas populares de conhecimento e cultura. Em um contexto altamente agressivo, discute o papel ameaçador de lideranças populares antagonistas diante das elites e classes dominantes, um papel existente no passado, em lideranças como Rosa Luxemburgo e renovado na atuação da brasileira Marielle Franco, mulheres cuja atuação politica não pode ser tolerada em um contexto de crise societária profunda. Caminhando entre o passado, o presente e as possibilidades de um futuro alternativo para os grupos subalternos ao redor do mundo, Michael Löwy nos brinda com reflexões ricas de realismo e também de esperança.

A relação centro-periferia e os estudos gramscianos


Deprecated: Function get_magic_quotes_gpc() is deprecated in /var/www/vhosts/outubrorevista.com.br/httpdocs/wp-includes/formatting.php on line 4819

ACESSE O PDF

A relação centro-periferia e os estudos gramscianos

Resumo: O objetivo deste texto é discutir os limites da noção/metáfora centro-periferia como cânone de interpretação nos estudos gramscianos, tomando ponto de partida a pesquisa monográfica da trajetória da relação entre Antonio Gramsci e Piero Gobetti e das interpretações a seu respeito no pós-1945. Depois de refletir sobre os usos possíveis dessa metáfora em um diálogo proposto entre as ideias de Gramsci e de alguns intelectuais brasileiros, discute seus limites na artificiosa construção político-cultural e historiográfica promovida pelo PCI na segunda metade do século XX.

Palavras-chave: 1. Antonio Gramsci; 2. Centro-periferia; 3. Piero Gobetti

 

The center-periphery relationship and the Gramscian studies

Abstract: The aim of this paper is to discuss the limits of the notion / center-periphery metaphor as a canon of interpretation in the Gramscian studies, starting from the monographic research about the trajectory of the relation between Antonio Gramsci and Piero Gobetti and the interpretations about him in post-1945 . After reflecting on the possible uses of this metaphor in a proposed dialogue between the ideas of Gramsci and some Brazilian intellectuals, this paper discusses its limits in the artificially politico-cultural and historiographic construction promoted by the PCI in the second half of the twentieth century.

Keywords: 1. Antonio Gramsci; 2. Center-Periphery; 3. Piero Gobetti

[Resenha a:] BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luis Felipe (orgs.). Aborto e democracia. São Paulo: Alameda, 2016.


Deprecated: Function get_magic_quotes_gpc() is deprecated in /var/www/vhosts/outubrorevista.com.br/httpdocs/wp-includes/formatting.php on line 4819

ACESSE A RESENHA EM PDF

Daniela  Mussi

Aborto e democracia é produto de uma boa Ciência Política que se desenvolve no Brasil contemporâneo: é feito de resultados pesquisas empíricas, reflexões teóricas e engajamento político (p. 14). Juntos, seus capítulos compõem as faces de um prisma a partir do qual a questão do aborto e dos direitos reprodutivos é pensada como problema permanente das instituições políticas brasileiras nas últimas décadas.

Apesar de composto por contribuições de diferentes intelectuais, dois pressupostos unificam esta coletânea: a separação entre Igreja e Estado e a concepção do aborto como um direito democrático e inclusivo (p. 24). São pressupostos que se erguem, aliás, na contramão dos sensos comuns conservadores que investiga na vida parlamentar e institucional brasileira dos últimos 30 anos.

Composto e publicado pouco antes do golpe legislativo que culminou na deposição da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o livro reconstrói os aspectos do comportamento francamente conservador e autoritário da ampla maioria dos congressistas brasileiros. Os capítulos trazem pesquisas que evidenciam a atuação direta e persistente dos políticos brasileiros contra as liberdades e direitos das mulheres ao longo do ciclo democrático que antecede 2016.

Nas investigações relatadas, desfilam os discursos, projetos de lei, articulações partidárias e de lideranças permanentemente preocupadas em espoliar as conquistas das mulheres e em fazer recuar os avanços culturais e ideológicos que permitiram o país progredir, ainda que timidamente, no sentido de uma concepção laica e inclusiva de Estado. A coletânea, neste sentido, contribui para compreender melhor a natureza essencialmente misógina do ambiente legislativo e judiciário no Brasil e que ganhou repercussão em diversos episódios do processo do impeachment de Dilma Rousseff.

O enfoque institucional das pesquisas reunidas no livro evidencia como as questões ligadas ao aborto e direitos reprodutivos femininos se inserem naquilo que Antonio Gramsci (1975, p. 59) chamou de “exercício normal da hegemonia no terreno do regime parlamentar”, na dinâmica de equilíbrio entre força, consenso e fraude que permeia a vida institucional brasileira no pós-1988 (p. 127 e ss.). Este exercício hegemonia, porém, dificilmente pode ser considerada a favor das mulheres desde 1988.

As pesquisas mostram a difícil correlação de forças enfrentada pela agenda feminista na nova democracia brasileira. Evidencia como, mesmo depois de 2003 e a chegada de movimentos e bandeiras feministas históricas ao governo com a eleição do Partido dos Trabalhadores para o poder executivo federal, o conservadorismo antifeminista foi capaz de encontrar formas de se fortalecer, especialmente no poder legislativo – envolto em uma ideologia de contornos patriarcais e confessionais. Evidenciam as dificuldades da agenda feminista em avançar num ambiente institucional mesclado de fisiologismo e pragmatismo parlamentar para compor um ethos político absorvente. Nos cenários estudados, o tratamento oferecido aos direitos das mulheres revela este ethos comum a todos os grandes partidos e a dinâmica específica de alternância entre pequenas concessões e grandes ataques às conquistas sociais e aos valores feministas.

O descompasso é evidente quando se pensa a comparação entre as bandeiras e elaborações dos distintos movimentos feministas ao longo dos últimos 30 anos e o funcionamento efetivo da maioria das instituições políticas brasileiras. Inicialmente, um abismo foi formado, desde a redemocratização, entre o que se passava no âmbito da sociedade civil organizada (movimentos sociais, partidos, universidades, etc.) e a sociedade política (parlamentares, juízes, alta burocracia estatal, etc.). Com o tempo, porém, as discrepâncias entre a pressão realizada por movimentos de mulheres e as decisões parlamentares passam por mudanças importantes, resultantes de processos mais recentes: 1) a ampliação e diversificação do poder de pressão de lideranças e grupos de interesse religiosos e conservadores nos últimos anos dado seu crescimento extraparlamentar; e, ao mesmo tempo, o enfraquecimento da capacidade de pressão das lideranças e grupos de interesse feministas em virtude da crescente disposição política no campo laico e progressista em substituir pontos importantes da agenda feminista para angariar apoio eleitoral e partidário dos setores conservadores (p. 127 e ss.).

Entre as pesquisas da coletânea aponta, chama atenção a análise do papel ocupado pelo judiciário – em especial pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – na interpretação e julgamento de matérias relativas aos direitos reprodutivos das mulheres (p. 155). O STF, nos anos mais recentes, foi responsável por algumas das “concessões” aos direitos das mulheres no último período, como na interpretação mais flexível das leis que regulam as “exceções” em que o aborto é permitido. Isto abriu brechas para o movimento feminista ampliar sua margem de pressão e defender os direitos das mulheres como parte dos valores constitucionais democráticos e inclusivos. No geral, contudo, as expectativas com relação a esta arena não permitem muito otimismo se pensadas no quadro histórico mais geral das prerrogativas que movem atuação deste tribunal, especialmente sua trajetória de “continuidade jurisprudencial e doutrinária” com o passado autoritário brasileiro (Koerner, 2014, p. 53; cf. Koerner; Freitas, 2015).

Aborto e Democracia, neste sentido, realiza o exercício de uma hipotética “Constituinte” dos direitos reprodutivos das mulheres. Faz, inicialmente, incursões de natureza teórica no tema do aborto e direitos reprodutivos femininos, visando avançar na elaboração deste como um direito democrático básico em um Estado laico e inclusivo. Em seguida, examina o trágico percurso deste tema nas instituições, evidenciando os limites drásticos da realização da democracia no Brasil a serem ultrapassados. Sinaliza, ainda, a surpreendente e acelerada degradação da agenda feminista nos anos que sucedem a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo, o que retoma de maneira sutil o lugar insubstituível da participação e pressão da “sociedade civil” na produção e proteção de leis democráticas para as mulheres.

Por fim, tomando em termos concretos o direito ao aborto como chave para interpretação da democracia brasileira, a atenção se volta não apenas para os acontecimentos do biênio 2014-2016, mas para a corrida eleitoral pela presidência da república de 2010 (p. 195). Embora a ênfase apareça colocada no papel do jornalismo em construir um discurso capaz de direcionar a opinião pública em um sentido conservador, é impossível não pensar este como um contexto no qual a disposição em negociar a defesa dos direitos reprodutivos feminismo contribuiu para o processo de enfraquecimento profundo dos movimentos sociais populares e democráticos.

Ao longo desta coletânea, portanto, a relação entre aborto e democracia se desenha como teórica, empírica, trágica e utópica, sendo que cada uma destas dimensões ajuda a compor um ambiente problemático no qual pensar é também agir.

Referências bibliográficas

Gramsci, A. Quaderni del Carcere. Torino: Einaudi, 1975. 4v

Koerner, A. Os tempos no processo judicial na instauração da ordem constitucional brasileira de 1988: uma análise da ADI n. 2. Fontes, n. 1, p. 41-54, 2014.

Koerner, A.; Freitas, L. B. O Supremo na Constituinte e a Constituinte no Supremo. Lua Nova, n. 88, p. 141-184, 2013.

 

Política e cultura: Antonio Gramsci e os socialistas italianos


Deprecated: Function get_magic_quotes_gpc() is deprecated in /var/www/vhosts/outubrorevista.com.br/httpdocs/wp-includes/formatting.php on line 4819

Daniela Mussi

ACESSE O ARTIGO EM PDF

Resumo: O artigo tem por objetivo apresentar três momentos do debate sobre cultura no início do século XX na Itália, no contexto em que Gramsci se aproximou do movimento socialista e que publicou suas primeiras intervenções políticas. Resgata a aproximação com o socialismo e as primeiras intervenções jornalísticas de Gramsci durante a I Guerra Mundial, entre 1914 e 1916, nas quais o tema da cultura adquiriu um papel importante. Evidencia a dívida gramsciana com os argumentos culturalistas de Gaetano Salvemini e Angelo Tasca, mas também seus primeiros esforços por superar a dicotomia entre cultura e política.

Palavras – chave: 1. Antonio Gramsci; 2. Cultura; 3. Política; 4. Marxismo

Politics and culture : Antonio Gramsci and the Italian socialists

Abstract: The article aims to present three moments in the debate on culture in the beginning of the 20th century in Italy, in the context in which Gramsci came near to the socialist movement and published his first political interventions. It rescues Gramsci’s approximation with socialism and his first journalistic interventions during World War I, between 1914 and 1916, in which the issue of culture has assumed an important role. It evidences the Gramscian debt to the culturalist arguments of Gaetano Salvemini and Angelo Tasca, but also his first efforts to overcome the dichotomy between culture and politics and his first approximation with Marxism.

Keywords: 1. Antonio Gramsci; 2. Culture; 3. Politics; 4. Marxism