A relação centro-periferia e os estudos gramscianos


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A relação centro-periferia e os estudos gramscianos

Resumo: O objetivo deste texto é discutir os limites da noção/metáfora centro-periferia como cânone de interpretação nos estudos gramscianos, tomando ponto de partida a pesquisa monográfica da trajetória da relação entre Antonio Gramsci e Piero Gobetti e das interpretações a seu respeito no pós-1945. Depois de refletir sobre os usos possíveis dessa metáfora em um diálogo proposto entre as ideias de Gramsci e de alguns intelectuais brasileiros, discute seus limites na artificiosa construção político-cultural e historiográfica promovida pelo PCI na segunda metade do século XX.

Palavras-chave: 1. Antonio Gramsci; 2. Centro-periferia; 3. Piero Gobetti

 

The center-periphery relationship and the Gramscian studies

Abstract: The aim of this paper is to discuss the limits of the notion / center-periphery metaphor as a canon of interpretation in the Gramscian studies, starting from the monographic research about the trajectory of the relation between Antonio Gramsci and Piero Gobetti and the interpretations about him in post-1945 . After reflecting on the possible uses of this metaphor in a proposed dialogue between the ideas of Gramsci and some Brazilian intellectuals, this paper discusses its limits in the artificially politico-cultural and historiographic construction promoted by the PCI in the second half of the twentieth century.

Keywords: 1. Antonio Gramsci; 2. Center-Periphery; 3. Piero Gobetti

Gramsci e antropologia de Malinowski


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 Antonio Gramsci: em busca de um marxismo etnográfico

Resumo: O artigo busca explorar a “sensibilidade etnográfica” presente nos Cadernos  eCartas do Cárcere de Antonio Gramsci. Para tanto, buscará a partir de uma comparação com Malinowski chamar a atenção para a centralidade que a cultura assume na reflexão gramsciana, em especial em sua abertura às visões de mundo e ações das classes subalternas.

Palavras-chave:1.Cultura; 2. Etnografia; 3. Classes Subalternas

 

Antonio Gramsci: towards an ethnographic Marxism

Abstract:The article seeks to explore the “ethnographic sensitivity” present in Antonio Gramsci’s Prison Notebooksand Letters. Therefore, it will seek from a comparison with Malinowski to draw attention to the centrality that culture assumes in Gramsci’s reflection, especially in its openness to the worldviews and actions of the subaltern classes.

Keywords: 1. Culture; 2. Ethnography; 3. Subaltern Classes

A Revolução Russa e os deficientes


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A Revolução Russa e os deficientes

Resumo: O presente artigo de Keith Rosenthal discute a questão das deficiências na Revolução Russa. Compreendendo o período revolucionário como um momento de intensificação das lutas sociais, Rosenthal mostra como a questão das diferentes deficiências, físicas e mentais, mobilizou uma série de transformações de ordem política na Rússia durante a Primeira Guerra Mundial e como tais demandas foram incorporadas pelo Partido Bolchevique. Em última instância, questões que abrangiam a seguridade social, a prevenção de acidentes de trabalho, a finalidade das instituições totais de cunho psiquiátrico eram, dentre muitos, temas de debate e de proposição política no contexto revolucionário de 1917.

Palavras-chave:1. Revolução Russa; 2. Deficiências; 3. Sistema de saúde

 

Disability and the Russian Revolution

Abstract:The following paper by Keith Rosenthal discusses the issue of disabilities during the Russian Revolution. Understanding the revolutionary period as a moment in which social struggles were intensified, Rosenthal shows us how the issues of different disabilities, physical and mental, mobilized a whole series of changes in Russian political order during the First World War, seeing how they were incorporated by the Bolsheviks. Ultimately, those issues ranged from social security, work injuries, the goals of total psychiatric institutions, and so on, all them being debated and theme of political propositions in the revolutionary context of 1917.

Keywords: 1.Russian Revolution; 2. Disabilities; 3. Healthcare System

“A virada de Moscou”: o diálogo entre Gramsci e os bolcheviques (1922-1923)


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“A virada de Moscou”: o diálogo entre Gramsci e os bolcheviques (1922-1923)

Resumo:O artigo investiga o pensamento de Antonio Gramsci no período 1922-1923, contexto em que o marxista sardo esteve contato direto com a experiência soviética.  Propõe que a característica específica da concepção “madura” de Gramsci a respeito hegemonia foi moldada por uma problemática profunda surgida neste período. Isto é, conformada pela transição bolchevique no sentido de uma noção dialética do “progresso hegemônico-histórico”. Trata-se, portanto, de uma perspectiva que propõe a hegemonia em termos de sua capacidade (ou incapacidade) de produzir instâncias reais de progresso histórico.

Palavras-chave:1. Hegemonia; 2. Revolução Russa; 3. Antonio Gramsci

“La svolta di Mosca”: the dialogue between Gramsci and the Bolsheviks in 1922-23

Abstract:The article investigates the thought of Antonio Gramsci in the period 1922-1923, a context in which the Sardinian Marxist was in direct contact with the Soviet experience. It proposes that the specific characteristic of Gramsci’s “mature” conception of hegemony was shaped by a profound problematic that emerged during this period. That is, conformed by the Bolshevik transition in the sense of a dialectical notion of “hegemonic-historical progress”. It is, therefore, a perspective that proposes hegemony in terms of its capacity (or inability) to produce real instances of historical progress.

Keywords: 1. Hegemony; 2. Russian Revolution; 3. Antonio Gramsci

[Resenha a:] ROEDIGER, David. Class, Race and Marxism. London, New York: Verso Books, 2017.


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Roediger, David. Class, Race and Marxism.  London, New York: Verso Books, 2017.

Atílio Bergamini [1]

É bem conhecida a crítica ao argumento chamado por alguns “racialista”: no Brasil ele não funciona, porque dada a miscigenação, converteria um problema complexo à oposição inequívoca branco-negro, inspirada na universidade norte-americana. Tal crítica figura em livros excelentes, como Veneno remédio, de José Miguel Wisnik (2008, p. 420-429), de onde parafraseei as linhas acima, e em outros mais questionáveis, como os trabalhos do antropólogo Antonio Risério (por sua vez, citado elogiosamente por Wisnik).

A impressão que fica, às vezes, é que era melhor deixar para lá o debate sobre raça, porque nossa perspectiva colonizada tende a imitar acriticamente as ideias norte-americanas. Ao mesmo tempo, como demonstra o próprio Wisnik, a questão racial é tão estruturante de cada aspecto da vida no Brasil e tão central para a compreensão da estrutura de classes, que se furtar ao debate orça na irresponsabilidade. Diante disso, voltamos ao início: parece ser relevante, entre outras coisas, conhecer o que tem sido escrito a respeito de raça aqui e alhures, para ir, pouco a pouco, formando juízo a respeito. Será a diferença racial nos Estados Unidos mesmo inequívoca? Só é possível aproveitar o denso debate que por lá ocorre a partir da imitação e da cópia? Caso o leitor considere relevante avaliar criticamente o que se discute nos Estados Unidos ou se informar sobre o que tem sido feito nas universidades e movimentos sociais, então Class, Race, and Marxism, do historiador da Universidade do Kansas, David Roediger, é leitura recomendada.

O livro se vale de palavras-chave – no sentido que lhes deu Raymond Williams – para, entre outras coisas, analisar publicações sobre a administração de fazendas e de escravos no século XIX. Procurando me vincular a um dos métodos do pesquisador, gostaria de iniciar esta resenha com uma lista de algumas delas, o que talvez ajude leitores potenciais a ter uma noção do conjunto de preocupações que anima o livro e não deixa de ao menos esboçar os principais traços da obra de Roediger como um todo: administração de escravos, administração da terra, brancos, capitalismo, classe, classe trabalhadora, colonialismo, escravidão, fazendas de algodão, guerra civil norteamericana, imperialismo, marxismo, materialismo histórico, nacionalismo, negros, racismo, raça, solidariedade, universalismo.

O argumento que costura a coerência dessas palavras-chaves talvez possa ser parafraseado assim: os contemporâneos recuos da atividade sindical e dos movimentos por direitos civis nos Estados Unidos impõem dificuldades à compreensão das relações entre classe e raça desde uma perspectiva marxista. As dificuldades aparecem inclusive no tom das discussões a respeito, enquanto os recuos precisariam ser pensados a partir do chamado “fator-X”, formulado por Michael Lebowitz, de acordo com o qual a produção capitalista aumenta a cooperação entre trabalhadores, aumentando a separação e as diferenças entre eles, o que dificulta a solidariedade. Um dos componentes mais explícitos da separação e das diferenças seria o racial; sua história exigiria pensar a raça como um dos fundamentos do capitalismo. Isto posto, a solidariedade precisa ser enfatizada como palavra-chave na superação do fator-X, cabendo entender quais condições a tornam efetiva e sobretudo cabendo sopesar o que a torna difícil. Nesse ponto, o livro remete implicitamente ao seu início, pois o tom das discussões em torno de raça e classe passa a ser um sintoma das dificuldades para a solidariedade efetiva entre trabalhadores. A compreensão de um problema e as intervenções públicas para contorná-lo vão de par, numa dialética singular em que, se uma enfraquece, ambas enfraquecem ao mesmo tempo, criando figuras como o racismo, o nacionalismo e a falta de solidariedade entre trabalhadores.

Esses argumentos estão distribuídos em duas partes com três capítulos cada. A primeira se intitula, não por nada, “Interventions: Making Sense of Race and Class”. A segunda, “Histories: The Past and Present of Race and Class”. A estrutura do livro, portanto, remete à dialética recém referida.

Roediger antepõe às duas partes principais uma introdução, marcada sobretudo pela discussão a respeito do tom das polêmicas a respeito da dialética raça e classe: “I do stand by the idea that all of us should approach the difficulties for thinking about race and class generated by the difficult period in which we live with humility and frank admission that we cannot know where thing will go” (p. 19). Essa preocupação exigiria atenção em duas frentes de trabalho: as recentes lutas e os recentes trabalhos acadêmicos. Roediger vê nesse conjunto de lutas e trabalhos lampejos de possibilidades para a criação de vínculos efetivos de solidariedade na classe trabalhadora. Três áreas mereceriam especial atenção:

1) estudos críticos sobre a branquitude (que poderiam ajudar a entender mudanças contemporâneas na classe trabalhadora);

2) movimentos anti-polícia e antirracismo, bem como trabalhos lidando com a desigualdade social desde a perspectiva da população afro-americana;

3) críticas às ideias de intelectuais como David Harvey, de que raça não ajuda a pensar a lógica do capital, trazendo outras compreensões do processo de criação de raças, do racismo e da maneira como isso tudo se relaciona com a luta de classes.

Embora os três itens remetam a trabalhos por serem feitos, eles não deixam de se fazer presentes e, se minha leitura ainda inicial dos trabalhos de Roediger permite dizer, parecem ser um resumo válido do que o tem preocupado desde pelo menos o final da década de 1980.

Tendo em vista o que acabei de afirmar, creio ser importante, antes de expor e discutir brevemente algumas das principais ideias de Class, Race, and Marxism, lembrar que ele é o sexto livro de Roediger lançado pela editora Verso, vinculada à New Left Reviewe responsável, desde os anos 1970, por colocar em circulação reflexões de esquerda em diversas áreas. Do ponto de vista do público brasileiro, talvez seja interessante lembrar que a Verso editou e traduziu para o inglês dois conjuntos de ensaios de Roberto Schwarz, em 1992 e 2013. De Roediger, esta casa editorial lançou: Our Own Time: A History of American Labor and the Working Day(1989, com Philip S. Foner); Towards the Abolition of Whiteness: Essays on Race, Politics, and Working Class History(1994); The Wages of Whiteness: Race and the Making of the American Working Class(2007); How Race Survived US History: From Settlement and Slavery to the Obama Phenomenon(2010); Seizing Freedom: Slave Emancipation and Liberty for All(2015). Todos referidos e discutidos em Class, Race, and Marxism, que, vale a pena repetir, acaba sendo boa leitura de introdução ao pensamento do autor.

No livro recém lançado, Roediger traz dois conjuntos de dados como ponto de partida para refletir. (1) O número de greves com mais de mil trabalhadores nos Estados Unidos se reduziu de uma média de 300 por ano, para somente 5 em 2009, 11 e 12 em 2014 e 2015; (2) a frequência de prisões de pessoas negras aumentou na comparação com a prisão de brancos – em 2007, os cidadãos negros eram presos sete vezes mais do que brancos nos Estados Unidos; em 2017, a razão chegou a 16 vezes mais. Qual a relação entre essas duas séries históricas?[2]

O autor elege como tema principal dos três primeiros capítulos da primeira parte a dificuldade de falar e escrever a respeito de raça-classe. Para tal, discute “tom e substância” das polêmicas em torno da articulação entre classe e raça; bem como defende que as duas categorias são fundamentais para fazer análises históricas e possibilitar ações políticas atualmente. O autor retoma criticamente a proposta de David Harvey (2014) em 17 contradições e o fim do capitalismo, para quem a pergunta certa a ser feita seria: como as lutas antirracistas, feministas etc., podem se efetivar como práticas anticapitalistas?

Para Harvey, as contradições do capital não podem ser diretamente explicadas por questões de raça, gênero, etc. Estas categorias não seriam típicas ou próprias das contradições do capital. Estas poderiam, por outro lado, ser racializadas como acontece nos Estados Unidos, ainda que, também lá, de acordo com Harvey, movimentos antirracistas possam, ao mesmo tempo, ser pró-capitalistas. Roediger procura mostrar que Harvey encontrou uma boa maneira de discordar de seus argumentos discutindo a maneira como o capitalismo produz raças e racismo como uma das condições de sua reprodução.

A sequência de ponderações a respeito do tom e substância de estudos sobre raça e classe avança até chegar, no terceiro capítulo, em George Rawick, um “intelectual branco entre intelectuais negros”, que Roediger tem como mestre e antecessor. As barreiras raciais se tornaram, de acordo com a análise de Roediger, o espaço para a reflexão de Rawick. Aqui, os pontos de partida muitas vezes são multifacetados, contraditórios e imperfeitos, mas Rawick se tornou “um produto, um beneficiário e um produtor” de reflexões “entre intelectuais negros”. De Rawick a Harvey, parece que Roediger se preocupa em pensar as melhores maneiras de intelectuais brancos colaborarem com as discussões do eixo raça-classe.

A ênfase ao debate entre Harvey e Roediger, chegando a Rawick, pode dar a impressão de que Roediger não dialoga com pensadores negros. Isso é incorreto. W. E. B. Du Bois e C. L. R. James são duas das principais referências, costurando o livro do começo ao fim. O autor afirma (p. 25) que os estudos retém à ideia de capitalismo racial, ao invés de simplesmente capitalismo, fundamentada na obra de Cedric Robinson, Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition, de 1983, que, paradoxalmente, não está diretamente referida, mas aparece a partir de estudos secundários. Por fim, intelectuais como Paul Gilroy são discutidos em diversos momentos.

Aproveitando a referência a Gilroy, gostaria de trazer ainda uma anotação a respeito do primeiro capítulo, “The retreat from Race and Class”: ele, em grande medida, discute os argumentos de After Race(Darder; Torres, 2004), e Against Race(Gilroy, 2000). Para Roediger, ambos entendem que voltar atrás da noção de raça e, no limite, não mais utilizá-la, reforçaria as lutas contra hierarquias racializadas (p. 40ss.). Este passo da discussão tem especial relevância para brasileiros, já que Roediger retoma um debate sobre a questão racial no Brasil, provocado pelo artigo de Pierre Bourdieu e Loic Wacquant, de 1999, traduzido para o português em 2002 como “Sobre as artimanhas da razão imperialista”.

Os pesquisadores franceses teriam proposto que o nivelamento ou achatamento das noções de classe e raça produzia más formas de compreensão histórica e de possibilidades políticas no Brasil daquele período. Isso porque a noção de “raça” seria produzida desde o “imperialismo cultural” das universidades norte-americanas, o que levaria brasileiros a pensarem neutralizando o próprio contexto histórico. A ideia de raça discutida em universidades norte-americanas seria muito diferente das ideias que os brasileiros fazem a respeito das questões raciais, consequentemente o Brasil estaria importando ideias e deixando de prestar atenção na própria maneira de pensar o problema.

Roediger sintetiza da seguinte maneira as respostas dadas por diversos pesquisadores ao artigo de Bourdieu e Wacquant: tanto pesquisadores brasileiros quanto norte-americanos entenderam que, ao contrário do que argumentaram Bourdieu e Wacquant, a noção de raça era pouco utilizada em discussões. Ainda de acordo com as respostas tal como sintetizadas por Roediger, o imperialismo cultural norte-americano tem sido discutido nas universidades brasileiras há algum tempo. O argumento de Roediger não específica do que se trata, mas dá a entender que o acúmulo de discussão sobre imperialismo cultural se refere tanto à questão específica do termo raça quanto à presença, por exemplo, dos chamados “enlatados” na vida brasileira. As respostas ao artigo de Bourdieu e Wacquant também consideraram que brasileiros e norte-americanos produziram reflexões duradouras sobre o deslocamento dos povos indígenas, o tráfico de escravos, a escravidão e o imperialismo. Estes processos, por sua vez, produziram sociedades a um só tempo diferentes e comparáveis, com hierarquias e dilemas raciais de consideráveis consequências.

Em resumo, a primeira parte do livro diz respeito ao tom encontrado – ou desencontrado – por intelectuais para intervir nos debates sobre raça e classe.

A segunda parte é formada por três capítulos, que formam, digamos, uma história de longa duração, desde a remoção dos índios de suas terras, passando pela escravidão negra e pela administração do trabalho em fazendas de algodão, até chegar às dificuldades para uma solidariedade de classe na atualidade, que estaria, é bom lembrar, relacionada com os recuos objetivos na atividade sindical e nas condições de vida das populações afrodescendentes nos Estados Unidos.

O capítulo 4, “Removing Indians, Managing Slaves, and Justifying Slavery: The Case for Intersectionality”, analisa jornais, panfletos, almanaques e livros escritos desde a perspectiva de grandes proprietários rurais. Nele, encontramos elementos para reforçar o argumento de que uma elite agrícola branca disseminou ao longo do século XIX nos Estados Unidos práticas e ideias baseadas nas suposições de que negros não tinham inteligência para administrar fazendas, mas eram bastante hábeis no trabalho; índios, por sua vez, eram incapazes de husbanding land. Negros e índios, portanto, precisariam ser dirigidos por essa elite. Essa direção era pensada como moderna, voltada para o mercado, civilizadora. A guerra civil norte-americana – na medida em que, em determinado momento, as terras foram todas roubadas dos índios e incorporadas à lógica da propriedade – poderia ser explicada ao menos em parte por esse fenômeno. Norte e sul teriam passado a disputar o assenhoramento dos mesmos recursos: corpos e terras.

Esse capítulo prepara a discussão do próximo, escrito a quatro mãos, com Elizabeth Esch, “One Sympton of Originality. Ele parte das hipóteses de pesquisadores – especialmente Dipesh Chakrabarty e Michael A. Lebowitz – para quem o capital não apenas leva a uma cooperação decorrente da concentração de trabalhadores, como Marx descreve, mas também essa concentração induz a uma divisão de trabalhadores (“they divide workers”, p. 122) na estrutura da divisão do trabalho. Racializados e nacionalizados, os trabalhadores passam a competir entre si por um lugar ao sol da exploração e suas lógicas de reconhecimento. O seguinte trecho sintetiza muita coisa:

“As members of both a white settler and a slaveholding society, Americans developed a sense of themselves as white by casting their race as uniquely fit to manage land and labor and by judging how other races might come and go in the service of that project. Dispossession of Indians, and the ‘changes in the land’ that it entailed and celebrated, found much justification in the supposed inabilit of indigenous people to ‘husband,’ or manage, the resources at their command. Early American management decisions centered on what sort (and quickly on what ‘race’) of coerced labor was most economical, skilled, durable, efficient and tractable. […] The factory and plantation coexisted as the most spectacular sites for management of labor in the Americas with, if anything, the latter providing models for the former” (p. 123, 124).

Surgiu, de acordo com Esch e Roediger, já por volta dos anos 1830, todo um pseudocientífico debate a respeito das melhores maneiras de administrar negros e fazendas. Por mais absurdos que fossem os argumentos, ou justamente porque nessas horas o que menos importa são argumentos, a pseudociência ganhou contornos transnacionais. Explorações em outros países e “importação” de escravos chineses, além dos africanos, passaram a ser racionalizados por preconceitos raciais supostamente calcados na ciência e na observação. A raça de cada trabalhador era, já em meados do século XIX, um fator fundamental para os cálculos “racionais” do lucro. Cada raça tinha certas peculiaridades. Os brancos, reclamava um feitor, não podem ser dirigidos. Eram os anos em que apareceram certos americanismos linguísticos, como nigger work, slave like a nigger  e Irish nigger.

A questão, nesse ponto, remete outra vez para a divisão entre trabalhadores provocada pela concentração deles em fazendas, fábricas e cidades. Roediger parece sugerir que um ponto crucial nas lutas de classe contemporâneas e nas lutas dos movimentos negros contemporâneos reside em identificar, criticar e resistir à crescente perda de solidariedade entre os próprios trabalhadores e solidarização em relação ao capital como única perspectiva capaz de administrar os recursos do planeta. Roediger sugere que sejam quais forem as respostas, seria preciso que movimentos sociais ou antes deles “as lutas” as elaborassem e que as universidades as pudessem escutar atentamente.

A propriedade de terras nos Estados Unidos e a possibilidade de gerenciá-la estão ligadas, sintetiza Roediger, às seguintes ideias nucleares: índios não sabem gerir a própria terra, que sejam mortos e expulsos para dar lugar a quem pode civilizar e modernizar a agricultura; negros não sabem gerir o próprio trabalho, que sejam sequestrados e educados para o trabalho duro; mulheres não sabem gerir o próprio corpo, que sejam tuteladas a usá-lo na reprodução de mão-de-obra, de herdeiros e nos cuidados exigidos por essa reprodução. É evidente que, assim pensada, a elaboração precisa ser deslocada para fazer surgir um problema. Que o índio seja sua terra, o negro seu trabalho e a mulher seu corpo desde a perspectiva do proprietário branco, leva a superar, no sentido de aprofundar, as interrelações entre gênero, raça e classe. Está bem vista a importância que essa descrição histórica do processo atual de perda de solidariedade nos Estados Unidos.

Para concluir, retorno aos problemas de “tom” enfrentados nos primeiros capítulos do livro. Do ponto de vista da disciplina em que atuo como professor, a teoria da literatura, a raça teve e tem especial importância. Foi um dos principais conceitos operados pelos “Naturalistas”, na tentativa de romper com a retórica e a gramática como esteios da interpretação literária. Ou seja, quando a humanidade ocidental procurou historicizar a interpretação da arte, uma de suas primeiras operações foi racializar a discussão. A historicização das formas artísticas, desde Hegel, tem na reflexão sobre as raças um de seus esteios. No Brasil, Silvio Romero, no final do século XIX, se valeu da ideia de raça para tentar explicar e julgar obras literárias e até mesmo se insinuar por interpretações mais amplas: calcado na ideia de mestiçagem, procurou construir uma narrativa para o suposto atraso da cultura brasileira. Machado de Assis era péssimo escritor por fazer parte da “sub-raça cruzada brasileira”. Índios, negros, caboclos em sua incultura e falta de técnica precisariam sempre o polimento e a inteligência do branco europeu. Vê-se aí que uma retomada crítica das ideias de Roediger, pode ajudar a pensar questões brasileiras em diversos áreas do saber e em diversos campos de atuação política.

Referências bibliográficas

Braga, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012.

Darder, Antonia; Torres, Rodolfo D. After Race: Racism after Multiculturalism. New York: NYU Press, 2004

Gilroy, Paul. Against Race: Imagining Political Culture beyond the Color Line. Cambridge: Belknap Press, 2000.

Harvey, David. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2014.

Robinson, Cedric.  Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition, de 1983,

Williams, Raymond. Palavras-chave:um vocabulário da cultura e da sociedade. São Paulo: Boitempo, 2007.

Wisnik, José Miguel. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

[1]Professor de Teoria Literária da Universidade Federal do Ceará.

[2]Embora os dados trazidos se refiram aos Estados Unidos, estudos recentes, como o de Ruy Braga (2012) sobre a fatia da população por ele denominada precariado, mostram tendências parecidas em diversos países.

[Resenha a:] SALLES, Severo (coord.). A diversidade das lutas sociais.Salvador: EDUFBA, 2015.


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Salles, Severo (coord.). A diversidade das lutas sociais.Salvador: EDUFBA, 2015.

Gisele de Cássia Lopes [1]

 

Severo de Albuquerque Salles, coordenador do livro, é doutor em Ciência Política e doutor de Estado em Ciências Econômicas. Atualmente, é membro do Centro de Estudos Latino Americanos da Facultad de Ciências Políticas y Sociales e do Programa de Pós-graduação da Universidade nacional Autônoma do México. A obra A diversidade das lutas sociaisé composta por sete capítulos de diferentes autores que retratam sobre as distintas formas de opressão, de manifestação e resistência dos oprimidos e explorados.

O primeiro, “Internacionalização do capital, diversidade dos movimentos populares e democracia”,de Severo Salles, o autor destaca que no capitalismo, a força de trabalho se tornou uma mercadoria e que devido a isso, enquanto a sociedade trabalha para produzir, existirá o mercado, o capitalismo e as classes sociais antagônicas que lhe são próprias. O trabalho realizado de modo independente não é reconhecido prontamente na produção mercantil como um trabalho socialmente útil. Para isto, é necessário que eles passem pela esfera do mercado para que talvez eles possam ser reconhecidos como parte do trabalho requerido pela sociedade. Em relação ao capital, o autor destaca que o mesmo se reforça na sua correlação de forças com o trabalho. E o processo de institucionalização do capital advém das lutas democráticas. Salles destaca também sobre as lutas de classes existentes. Estas atingem a plena existência quando estão em luta e são elas que constituem o impulso principal da história de uma formação social como totalidade. Elas que agem sobre as relações internas de uma realidade social histórica.

O segundo capítulo, “Reflexões sobre as tendências do capital na agricultura e os desafios do movimento camponês da América Latina”, de João Pedro Stédile, líder do Movimento dos trabalhadores Sem Terra (MST) fala da dominação do capital financeiro globalizado sobre o capitalismo, ou seja, a acumulação das riquezas e do capital está concentrada na esfera do capital financeiro. E este precisa controlar a produção das mercadorias na indústria e na agricultura para apropriar da mais valia produzida pelos trabalhadores agrícolas.

Stédile cita cinco mecanismos pelo qual o capital financeiro passou a controlar o comércio. O primeiro foi através do excedente do capital financeiro. Os bancos começaram a comprar ações de grandes firmas que tinham relação com a agricultura e em poucos anos, essas firmas obtiveram um crescimento extraordinário do capital financeiro e controlaram setores que têm relação com a agricultura. O segundo mecanismo de controle foi a dolarização da economia mundial. As firmas aproveitaram da taxa de câmbio favorável e dominaram o comércio de produtos agrícolas. O terceiro mecanismo foi os regulamentos do livre comércio impostas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) que regularizaramo comércio agrícola. O quarto mecanismo foi o crédito bancário. Para o desenvolvimento da produção agrícola, foi preciso a utilização de crédito para financiar a produção e com isso os bancos financiaram a implantação e o domínio da agricultura no mundo. O último mecanismo fala que os governos deixaram as políticas públicas de proteção do mercado agrícola e aplicaram políticas neoliberais de subsídios na grande produção agrícola capitalista.

Para finalizar seu texto, Stédile fala sobre as propostas que o movimento camponês da América Latina tem desenvolvido. As propostas são a implantação do programa agrícola e hídrico alimentar de cada país; impedir a concentração da propriedade privada da terra, da floresta e da água; adotar sistemas de produção dos alimentos baseados na diversificação da agricultura; adotar técnicas de produção que procurem o crescimento da produtividade do trabalho e da terra; Desenvolver a organização das agroindústrias em pequenas e meias escalas, na forma de cooperativas administradas pelos trabalhadores industriais que produzem sua matéria prima. Defender uma “política de deflorestação zero” preservando a natureza e utilizando recursos naturais de maneira adequada e favorecendo o povo residente no local; Implementar um projeto energético popular para o país; Garantir as políticas de segurança social para toda a população do meio rural; Proibir que qualquer firma estrangeira seja proprietária de terras em qualquer país do mundo e desenvolver políticas para melhorar as condições de vida nos povos e comunidades rurais.

No terceiro capítulo, “A participação das mulheres no Movimento dos Trabalhadores sem teto em Salvador”, Renato Macedo Filho e Ana Alice Alcântara Costa comentam sobre o movimento dos sem teto que vem despontando na cena urbana e o que ele vem trazendo, como o alto índice de desemprego, a falta de infraestrutura, saneamento, saúde e o déficit habitacional das grandes e médias cidades. Os autores mostram que neste movimento a atuação das mulheres se tornou algo recorrente. Em 1940, aconteceram as primeiras mobilizações por moradia em Salvador, constituídas por pessoas das camadas mais pobres. Essas pessoas tiveram que se desalojarem dos centros e irem para bairros mais pobres devido à ocupação dos centros pela população de classe média e alta. As mulheres estavam presentes e assumindo posições significativas desde as primeiras mobilizações por moradia em Salvador. Os autores levantam uma observação interessante sobre o movimento sem teto, ele é constituído predominantemente por mulheres e homens negros, reflexo de um processo histórico no Brasil de exclusão social e escravismo.

O quarto capítulo, “Associativismo e produção espacial em Salvador (BA): a produção espacial por novos personagens urbanos”, de Margarete Neves Oliveira, analisa o associativismo em Salvador. Esse associativismo é uma forma de discutir solidariedade, democracia e justiça social no Brasil, principalmente na Bahia. A autora mostra que em 1930, no Brasil, havia uma legislação trabalhista, que privilegiou o trabalhador urbano em detrimento do trabalhador rural. Houve também, a política praticada pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que atendeu interesses de empresários privados. Aconteceram, em 1970, movimentos sociais urbanos, como o Trabalho Conjunto, que atuava em defesa dos moradores de bairros da cidade.

O quinto capítulo, “O racismo, a desigualdade e a exclusão: O caso do Brasil”, de Mônica Velasco Molina, discute como o conceito de raça tem mudado e como tal noção teve impacto dentro das elites brasileiras. Falava-se em diferenças na sociedade e estas eram baseadas por características físicas, como a cor da pele. No Brasil houve ações para branquear a sociedade, feita pela elite política-intelectual. Os projetos de imigração discutidos no Brasil se basearam nas teorias raciais, que contava que os negros não tinham a mesma capacidade que os brancos. Aparecem, então, com o racismo, noções de discriminação e segregação racial, situação evidente com os afro-brasileiros.

O sexto capítulo, “Da agenda de outubro ao Tipnis: os pontos de ruptura entre as organizações sociais e o governo do MAS”, de Paola Martínez, apresenta dois pontos de ruptura, um sobre o governo de Evo Morales e o gasolinazoe a construção da rodovia que atravessa o Território Indígena. Sobre o gasolinazo, que é ao aumento da gasolina, foi o início de uma relação tensa entre o governo de Evo Morales. Afastaram-se organizações e sindicatos ao governo, já que as primeiras acusavam o governo de dar continuidade ao modelo neoliberal e de não escutar o povo. Em relação à construção de uma rodovia, a VillaTunari-San Ignacio de Moxos, que atravessaria o território Indígena, a mesma causou uma reação aos povos indígenas que defendiam essa área protegida. Os indígenas, baseando-se no Decreto Supremo n. 22610 – que reconhece essa zona como território indígena – não tiveram o seu pedido atendido pelo governo. Estes fizeram uma marcha para mostrarem a insatisfação, sendo barrada pelos simpatizantes do MAS. As mobilizações na contramão do gasolinazoe da construção da rodovia no Tipnis foram acontecendo e confirmando que o rumo político na Bolívia seguiria se definindo nas ruas.

No último capítulo, “Autonomia: a resistência indígena à colonialidade do poder”,Diego Zendejas mostra que a colonialidade do poder implica que a dominação social, cultural, política e econômica no capitalismo se realiza pela subsunção formal de todas as formas de relações capitalistas de produção e com base no critério de diferenciação racial, e que há uma autonomia que implica aos povos indígenas poderem decidir sobre a política, sendo esta praticada de modo contraposta às formas do capitalismo.

[1]Mestranda em Educação na Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ).

[Resenha a:] SAAD, Alfredo. O valor de Marx. Campinas: Unicamp, 2011.


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Saad Filho, Alfredo. O Valor de Marx: Economia política para o capitalismo contemporâneo. Campinas, SP: Unicamp, 2011.

Por Roberto Resende Simiqueli

O valor de Marx, de Alfredo Saad Filho, se apresenta como mais uma opção na vasta lista de introduções à crítica da economia política realizada por Karl Marx e aos debates em torno de suas teses. Fosse o livro de Saad somente uma nova tentativa de apresentação do autor, ele já teria que disputar espaço com tantos outros readersde peso, ferramenta necessária à leitura e compreensão dos argumentos do filósofo alemão, principalmente (mas não apenas) por estudantes de graduação e pós-graduação engalfinhados com as particularidades da teoria do valor ou do movimento ampliado da acumulação de capital. No entanto, a proposta desse breve trabalho é não só proporcionar ao leitor uma breve introdução aos termos fundamentais da economia política marxista, como aproximá-lo de algumas disputas teóricas decorrentes dessas formulações e da compreensão contemporânea sobre o autor e sua obra.

O primeiro dado relevante sobre O valor de Marxé sua concentração sobre as principais categorias econômicas da contribuição marxiana. Ainda que Saad adote uma postura arejada frente ao universo categorial marxista e mantenha abertas frentes oportunas de diálogo com debates sociológicos, políticos ou filosóficos sobre o autor, seu texto se destina de imediato à formação de economistas interessados nas problemáticas da economia política clássica e à atualização de pesquisadores envolvidos com esses debates. Assim, seu tratamento da obra econômica de Marx é estruturado em torno dos temas usuais: as Interpretações da Teoria Marxista do Valor ocupam o segundo capítulo, seguidas de considerações sobre Valor e Capital (cap. 3), Salários e Exploração (cap. 4), Valores, Preços e Exploração (cap. 5), A Composição do Capital (cap. 6), enquanto os espinhosos temas da teoria da transformação e dos movimentos dos capitais bancário, financeiro e fictício são objeto dos dois capítulos finais: A Transformação dos Valores em Preços (cap. 7) e Moeda, crédito e inflação (cap. 8). Se nos limitássemos somente à escolha das questões referenciadas por Saad, pouca diferença restaria entre seu livro e o material comumente empregado como referência complementar nos cursos de Economia Política ou História do Pensamento Econômico. Mas a apresentação desses temas e seu encaminhamento fazem do trabalho uma peça singular, nesse campo, e mais do que justificam uma leitura atenta.

Saad, apesar do referencial claramente econômico, deixa clara sua simpatia pela perspectiva relacionista na compreensão do valor e das leis de acumulação, compreendendo o capital e sua valorização como uma relação social. Isso justifica o encaminhamento dado pelo autor às considerações em torno da exploração da força de trabalho, seu papel na ampliação da dinâmica de valorização do capital e a importância fulcral da expropriação capitalista na estruturação desse modo de produção. Assim, o autor demarca de forma hábil sua diferença frente a outras matrizes de interpretação d’O capital, pautadas muitas vezes pelo eclipsar das relações sociais que dão forma ao modo de produção capitalista e pela ênfase quase que exclusiva no primoroso tratamento dado por Marx à dinâmica financeira (e às possibilidades de resgate desse tratamento para a compreensão da contemporaneidade).

Um parágrafo síntese de sua posição pode ser encontrado na conclusão do capítulo dedicado às noções de valor e capital:

“A teoria do valor de Marx parte do princípio ontológico de que as sociedades humanas se reproduzem, e se modificam, através do trabalho. O trabalho e seus produtos são divididos socialmente e, no capitalismo, esses processos e seus resultados são determinados pelo monopólio dos meios de produção pela classe capitalista, a mercantilização da força de trabalho e a forma mercadoria dos produtos do trabalho. Nessas circunstâncias, os produtos do trabalho geralmente têm a forma valor, e a exploração econômica se baseia na extração de mais-valia. Em outras palavras, a relação capital inclui o monopólio dos meios de produção, o trabalho assalariado e a contínua reprodução de duas grandes classes sociais mutuamente condicionantes, os capitalistas e os trabalhadores” (p. 72).

Os ecos desse enquadramento do capital enquanto relação são sentidos de forma decisiva nos capítulos finais do livro, em que questões tidas como particularmente complexas (capital fictício, transformação de valores em preços, concorrência e queda tendencial da taxa de lucro) são explanadas com singular simplicidade, e com vistas à manutenção do eixo argumentativo central. Ao discorrer sobre a instabilidade inerente ao capitalismo Saad pontua:

“As economias capitalistas são instáveis devido aos conflitos entre as forças de extração, realização e acumulação de mais-valia em condições competitivas. Essa instabilidade é estrutural, e nem mesmo as melhores políticas econômicas podem evitá-la por completo. A concorrência obriga cada capital a encontrar formas de aumentar a produtividade do trabalho. Isso geralmente envolve mudanças técnicas que aumentam o grau de mecanização, a integração entre os processos de trabalho dentro de cada firma, e através de firmas diferentes, e a escala potencial da produção. Portanto, a concorrência socializa a produção capitalista” (p. 174).

A importância dessa abordagem, principalmente no momento em que os trabalhadores brasileiros são tomados de assalto pelas propostas das reformas trabalhista e previdenciária, não pode ser medida. Saad efetivamente desloca a ênfase, mantida por muitas análises do econômico em Marx, da movimentação autônoma do capital para a sua essencialidade, sua conformação ontológica. O capital não é explicado como valor que se valoriza no sentido da naturalização do movimento de sua valorização, mas como relação social de exploração e reprodução da exploração do trabalho.

Por sutil que a diferença possa parecer, suas implicações são vastas. Por meio desse enfoque, Saad consegue articular os termos fundadores da crítica à economia política a seus desdobramentos mais desafiadores, sem perder o fôlego ou a fluidez da narrativa. Para além do apurado trabalho conceitual, o livro é muito bem escrito e sua leitura é bastante agradável. Assim, O valor de Marxpossibilita uma apresentação convidativa aos grandes temas explorados n’O capital, ao mesmo tempo em que defende posições teóricas ousadas sobre a interpretação da obra econômica de Marx e arma o leitor de referências valiosas para a continuidade do estudo.

Lido paralelamente a outras introduções consagradas a O capital, O valor de Marxmerece certo destaque. A apresentação direta e clara faz com que seja um livro vastamente mais aproximável do que os dois volumes de David Harvey em Para entender O capital(Harvey, 2013). Por mais hábil que Harvey seja em expor suas ideias e promover uma reavaliação do arrazoado marxista no trato da economia contemporânea, Saad explora temas fulcrais desse mesmo arrazoado de forma bem mais objetiva. Seus objetivos e resultados são distintos, por outro lado, daqueles levantados por algo como o clássico Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx(Rosdolsky, 2001), de Roman Rosdolsky, mas aqui Saad cumpre a proposta declarada no subtítulo: é difícil encontrar um readerde Marx tão engajado com a compreensão do capitalismo contemporâneo. Em extensão e profundidade, o livro se aproxima de referências estabelecidas no meio acadêmico em economia, como Smith, Ricardo e Marx(Napoleoni, 1978), de Claudio Napoleoni, e Valor e capitalismo(Belluzzo, 1980), de Luís Gonzaga Belluzzo. No entanto, não só Saad atualiza as problemáticas fundamentais da economia política marxista frente aos debates atuais, como possibilita o acompanhamento desses debates de forma mais clara. E defende uma posição mais alinhada com os desenvolvimentos recentes na interpretação do legado intelectual marxiano.

Outros dois trabalhos que julgamos “complementares” a O Valor de Marxe cuja leitura parelha recomendamos são o primoroso Marx: notas sobre a teoria do capital, de Maurício Chalfin Coutinho, que apresenta uma cuidadosa leitura estrutural de passagens fundadoras das categorias econômicas de Marx, e O negativo do Capital(Grespan, 1996), de Jorge Grespan, com intuito e problemas próximos aos do trabalho de Saad, em alguns momentos. Pensando especificamente na tarefa gratificante porém desafiadora de apresentar as densas categorias d’O Capital a alunos de graduação, O valor de Marxse revela (com o perdão do trocadilho infame) uma ferramenta valiosa.

Referências bibliográficas

Belluzzo, Luiz Gonzaga de Mello. Valor e capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1980.

Coutinho, Maurício Chalfin. Marx: notas sobre a teoria do capital. São Paulo: Hucitec, 1997.

Grespan, Jorge. O negativo do capital: o conceito de crise na crítica de Marx à economia política. São Paulo: Hucitec, 1996.

Harvey, David. Os limites do capital. São Paulo: Editora Boitempo, 2013.

_____. Para entender O capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.

Lévy, Dominique et alii. Uma nova fase do capitalismo?São Paulo: Xamã, 2003.

Marx, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011. 3 v.

Napoleoni, Claudio. O valor na ciência econômica. Lisboa: Presença, 1977.

_____. Smith, Ricardo, Marx. Rio de Janeiro, Graal, 1978.

Rosdolsky, Roman. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: Eduerj, Contraponto, 2001.

Ler e estudar Gramsci no Novo Milênio


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Ler e estudar Gramsci no novo milênio

Resumo: Antonio Gramsci experimentou diretamente e sob um enorme custo pessoal o colapso da democracia e o estabelecimento de um estado absoluto na Itália. Seu pensamento e sua obra, neste sentido, precisam ser pensados no encontro do marxismo com a defesa da democracia. Para levar adiante hoje este tipo de crítica política que encontramos em Gramsci, é preciso conduzir a mesma pesquisa paciente e minuciosa que ele realizou – e ainda mais, já que muitas mudanças se deram ao longo das décadas nos meios de disseminação da informação e nas infinitas e mais intricadas formas nas quais esta é manipulada, condicionada financeiramente, disposta tecnologicamente, etc. Trata-se de um desafio de maior urgência pois, como Gramsci assinalou, a luta pelos organismos da opinião pública não é nada menos que a luta pelo monopólio do poder que, como estamos vendo em muitos países, incluindo os Estados Unidos, ameaça hoje a própria democracia.

Palavras-chave: 1. Antonio Gramsci; 2. Marxismo; 3. Democracia

Reading and studying Gramsci in the New Millenium

Abstract: Antonio Gramsci experienced directly and at enormous personal cost the collapse of democracy and the establishment of an absolute state in Italy. His thinking and his work in this sense need to be thought of in the encounter of Marxism with the defense of democracy. To carry out this type of political criticism that we find in Gramsci today, it is necessary to conduct the same patient and thorough research that he carried out – and still more, since many changes have occurred throughout the decades in the means of information dissemination and in the infinites and more intricate ways in which it is manipulated, financially conditioned, technologically disposed, and so on. This is a more urgent challenge because, as Gramsci pointed out, the struggle for the bodies of public opinion is nothing less than the struggle for the monopoly of power which, as we are seeing in many countries, including the United States, threatens today the democracy itself.

Keywords: 1. Antonio Gramsci; 2. Marxism; 3. Democracy

Capital, força de trabalho e relações de gênero


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Capital, força de trabalho e relações de gênero

Resumo: O presente texto de Susan Ferguson e David McNally é uma introdução do livro de Lise Vogel, Marxismo e opressão às mulheres, publicado originalmente em 1983 e reeditada em 2013. Trata-se de um ensaio no qual Ferguson e McNally destacam a importância da obra de Vogel e a situam perante uma bibliografia cada vez mais extensa que vem discutindo as relações entre opressões de gênero e o capitalismo no âmbito do marxismo.

Palavras-chave: 1. Opressão de gênero; 2. Marxismo; 3. Feminismo

Capital, Labor-Power and Gender-Relations

Abstract: The following paper, from Susan Ferguson and David McNally, is the introduction of Lise Vogel’s book, Marxism and the Oppression of Women, originally published in 1983 and reedited in 2013. It’s an essay in which Ferguson and McNally point out the importance of Vogel’s work and situate it in front of a bibliography that grows larger and larger, discussing the relations between gender oppressions and capitalism in the scope of Marxism.

Keywords: 1. Gender oppression; 2. Marxism; 3. Feminism

Gênero e trabalho precário em uma perspectiva histórica


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Gênero e trabalho precário em uma perspectiva histórica

Resumo: Este artigo investiga a relação histórica entre gênero e trabalho precário, analisando um estudo de caso das mulheres italianas na segunda metade do século XX. Uma abordagem histórica de gênero mostra que diferentes modos de produção e condições de trabalho estavam presentes simultaneamente em sociedades fordistas e pós-fordistas, e que as mulheres, assim como os migrantes, experimentaram um nível significativo de precariedade, mesmo na chamada era dourada do século XX. A divisão sexual do trabalho e a discriminação baseada em sexo parecem estar no coração da natureza de gênero do trabalho precário, um nexo de longa duração que tem caracterizado sociedades industriais e pós-industriais, como o artigo mostra, em relação ao caso italiano. Ao abordar a questão da precariedade do trabalho como um fenômeno multifacetado, afirma-se que a difusão do trabalho precário na segunda metade do século XX foi diretamente afetada pelas lutas trabalhistas e das mulheres, por um lado, e pelo papel do Estado e da política em definir e redefinir as relações de trabalho na lei, por outro.

Palavras-chave: 1. Fordismo; 2. Pós-fordismo; 3. Trabalho das mulheres

Gender and precarious work in a historical perspective

Abstract: This paper investigates the historical relationship between gender and precarious work, analyzing a case study of Italian women in the 2nd half of the 20th century. Such historical approach of gender shows us that different forms of production and labor conditions were present simultaneously in Fordist and Post-Fordist societies, and that women, such as immigrants, experienced a significative level of precarity, even in the so-called Golden Age of the 20th century. The sexual division of labor and the discrimination based on sex appears to be in the core of the gender nature of the precarious work, a nexus of long duration that has featured industrial and post-industrial societies, as this paper shows about the Italian case. Handling with the question of the precarity of labor as a multifaceted phenomenon, we affirm that the spread of precarious work in the 2nd half of the 20th century was directly affected by working and female struggles by one hand, and by the role of the State and politics defining the working relations in the law, on the other hand.

Keywords: 1. Fordism; 2. Post-Fordism; 3. Women labor

Manufacturing Consent revisitado: uma nova aproximação


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Manufacturing Consent revisitado: uma nova aproximação

Resumo: Este artigo apresenta brevemente a obra Manufacturing Consent, publicada em 1979. Nela, o autor descreve a maneira em que a direção de Allis Chalmers organizava a disciplina do trabalho operário mediante a coerção e o consentimento, em particular por meio do estabelecimento de quotas de produção, o que suscitava uma espécie de jogo social entre os operários. Realiza também uma revisão do método etnográfico usado naquele momento, criticando-o e propondo substituí-lo pelo “estudo de caso ampliado”, que leva em conta o contexto do trabalho, incluindo as trajetórias dos atores, as transformações dos mercados e do papel do Estado, sem esquecer os elementos espaço-temporais como fatores de mudança. Aproveita a ocasião para revisar as publicações recentes que tem abarcado entre os seus objetos de investigação os temas de gênero, trabalho doméstico, trabalhadores migrantes, serviços, sindicalismo, etc. Este artigo sugere que as lutas estariam se descolando da exploração para a comoditização (commodification), acompanhada pelos conflitos relacionados ao consumismo; estes indicariam o início de uma nova era de mobilizações transnacionais que tem alcançado da Europa do Leste à Ásia. A partir disso, o autor retoma as teses de Polanyi, desenvolvidas em A Grande Transformação, atualizando-as com o advento da terceira onda ultraliberal que estende a comoditização à natureza (terra, água e ar) e ao conhecimento, frente ao qual os movimentos do tipo occupy seriam as primeiras respostas.

Palavras-chaves: 1. Consentimento; 2. Coerção; 3. Movimento operário

Manufacturing Consent revisited: a new aproximation

Abstract: The article briefly presents Manufacturing Consent, a 1979 publication directed by Allis Chalmer that deals with the way in which work discipline for manual labourers is organised through coercion and consent, based in particular on the establishment of production quota creating a kind of “game of making out” between works. The author reviews the ethnographic method that had been used at the time. He criticises this approach and suggests a replacement based on an “extended case method” that incorporates the work context and includes actors’ trajectories as well as transformations in markets and the role of the state – without forgetting spatial-temporal factors of change. This becomes an opportunity for the author to review recent publications that have expanded the object of research to include gender, domestic labour, migrant workers, services, trade unions, etc. The article suggests that issues pertaining to the battles witnessed in these domains range from exploitation to commodification and include consumerism. All of these bones of contention have inaugurated a new era of transnational mobilisation extending from Eastern Europe to Asia and inspiring the author to reproduce Polanyi’s Great Transformation thesis, after updating it to include the recent advent of a third, ultra-liberal wave that broadens commodification to include nature (earth, water and air) and knowledge. The first manifestation of this change is the Occupy movement.

Keywords: 1. Consent ; 2. Coercion ; 3. Workers’ movement

O trabalho em perspectiva global: um novo começo


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O trabalho em perspectiva global: um novo começo

Resumo: Nesse breve artigo, procura-se elaborar uma síntese sobre o que ele considera ser um momento derradeiro de enfraquecimento do movimento operário tradicional em âmbito global. Considerando uma série de estatísticas e olhando numa escala mundial, o autor propõe uma reflexão que aponta tanto para a decadência de instituições tradicionais da classe trabalhadora ao mesmo tempo que destaca a força que o trabalho persiste tendo no mundo globalizado. Dessa tensão aponta-se justamente para a formação de um novo movimento dos trabalhadores, menos eurocêntrico, mais atento à questões de raça, gênero, religião e etnia formando-se na esteira dos novos conflitos entre capital e trabalho.

Palavras-chave: 1. Movimento dos trabalhadores; 2. Trabalho global; 3. Partidos políticos

Labor in a global perspective: a new beginning

Abstract: In this short paper, is intended to elaborate a synthesis about what he considers to be a dramatic moment of enfeeblement of the traditional labour movement in a global scale. Considering a series of statistics and looking a worldwide perspective, the author purposes a reflection that points out both the decadence of traditional working-class institutions, and, at the same time, the continuing strength of labour in the globalized world. In this tension, is emphasized the making of a new labour movement, less Eurocentric and more awaken to questions about race, gender, religion and ethnicity, forming itself in the wake of new conflicts of capital and labour.

Keywords: 1. Labour Movement; 2. Global Labour; 3. Political Parties

Brecht e o realismo da resistência ao fascismo


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As visões de Simone Machard: Brecht e o realismo da resistência ao fascismo

Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar uma leitura do texto da peça As visões de Simone Machard (1941-1943, 1957) do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Trata-se de uma análise textual materialista – isto é, um procedimento crítico que busca determinar as relações entre forma literária e processo social – cujo intuito é descobrir de quais maneiras acontece a seleção e a organização de elementos estéticos para representar os meandros subterrâneos de um momento decisivo da história europeia no século XX e que não raramente foi falsificado pela historiografia oficial: a invasão alemã do território francês e a subsequente implementação de um governo colaboracionista com os nazistas.

Palavras-chave: 1. Bertolt Brecht; 2. Realismo; 3. Fascismo

The visions of Simone Machard: Brecht and the realism of the resistance against fascism

Abstract: This article aims to present a reading of the German playwright Bertolt Brecht’s text The visions of Simone Machard (1941-1943, 1957). This is a materialist textual analysis – that is, a critical procedure that seeks to determine the relations between literary form and social process – whose objective is the revelation of which ways the aesthetic elements are selected and organized in order to represent the subterranean meanderings of a decisive moment of European History in the twentieth century and that not rarely was falsified by official historiography: the German invasion of the French territory and the subsequent implementation of a govern of cooperation with the Nazi.

Keywords: 1. Bertolt Brecht; 2. Realism; 3. Fascism

Podemos escrever uma história dos comunistas brasileiros?


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Podemos escrever uma história dos comunistas brasileiros?

Resumo: A historiografia dos comunistas e sobre os comunistas foi sempre um fértil terreno de disputas teóricas e metodológicas da historiografia do Brasil e do mundo. Partindo da polêmica desenvolvida pelo historiador estadunidense Kevin Murphy contra o britânico Eric Hobsbawm em torno das possibilidades de se escrever uma história da Revolução Russa, faço uma discussão sobre o estado atual dos debates historiográficos acerca do tema dos comunistas no Brasil, buscando apreender as dimensões em que a história e a memória se imbricam.

Palavras-chave: 1. Comunistas; 2. Historiografia; 3. Memória

Can we write a history of Brazilian Communists?

Abstract: The historiography of the communists and about the communists has always been a fertile ground for theoretical and methodological disputes in the historiography of Brazil and the world. From the controversy developed by American historian Kevin Murphy against British Eric Hobsbawm around the possibilities of writing a history of the Russian Revolution, I intend to make a discussion about the current state of historiographical debates on the subject of the communists in Brazil, seeking to understand the dimensions in that history and memory overlap themselves.

Keywords: 1. Communists; 2. Historiography; 3. Memory

Amor e morte: transformando sexualidades na Rússia (1914-1922)


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Amor e morte: transformando sexualidades na Rússia (1914-1922)

Resumo: O presente artigo explora uma face pouco conhecida da Revolução Russa: o seu impacto sobre a sexualidade. Para tal, discute criticamente a chamada “revolução sexual” que acompanhou as transformações políticas e econômicas de 1917, particularmente as mudanças na ordem do amor e do sexo na sociedade russa com o colapso das instituições patriarcais a partir da Primeira Guerra Mundial. Desta maneira, reconstrói as transformações no campo da sexualidade no curso da revolução e guerra civil na Rússia e o surgimento de uma nova gama de tensões conforme os bolcheviques instituíam um novo Estado na sociedade russa.

Palavras-chave: 1. Sexualidade; 2. Primeira Guerra Mundial; 3. Revolução Russa

Love and Death: Transforming Sexualities in Russia (1914-1922)

Abstract: The article explores a little known face of the Russian Revolution: its impact on sexuality. To do so, it critically discusses the so-called “sexual revolution” that accompanied the political and economic transformations of 1917, particularly the changes in the order of love and sex in Russian society with the collapse of patriarchal institutions after World War I. In this way, it reconstructs the transformations in the field of sexuality in the course of the revolution and civil war in Russia and the emergence of a new range of tensions as the Bolsheviks founded a new state in the Russian society.

Keywords: 1. Sexuality; 2. First World War; 3. Russian Revolution

[Resenha a:] LOSURDO, Domenico. Guerra e Revolução: o mundo um século após Outubro de 1917. São Paulo: Boitempo, 2017.


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Demian Melo

Nesse ano do centenário da Revolução Russa, a editora Boitempo disponibilizou ao público brasileiro uma das mais importantes contribuições à crítica da historiografia revisionista das revoluções, Guerra e Revolução, do filósofo italiano Domenico Losurdo. O livro foi originalmente publicado em 1996 com o título de Il revisionismo storico: problemi e miti (Losurdo, 1996), mas recebeu em inglês uma nova edição ampliada em 2015 (Id., 2015), sendo esta a base da edição brasileira, onde constam dois novos capítulos.

Autor conhecido do público brasileiro, a contribuição de Losurdo à crítica da historiografia revisionista ainda é pouco visitada em nosso país. É verdade que o debate propriamente sobre o revisionismo não nos é inédito, como, por exemplo, as críticas demolidoras de Eric Hobsbawm e Michel Vovelle ao revisionismo de François Furet sobre a Revolução Francesa, foi publicada no Brasil em 1996 (Hobsbawm, 1996; Vovelle, 2004), ou antes a controvérsia da historiografia alemã (Historikerstreit) da década de 1980 em torno à obra de Ernst Nolte sobre o nazismo.[1] Contudo, e aí está a riqueza da crítica de Losurdo, este autor realiza a articulação dessas duas controvérsias historiográficas num grande debate, qual seja, aquele sobre a revolução socialista no século XX, permitindo identificar as enormes afinidades e circulação entre diferentes contextos revisionistas.

Além disso, Losurdo articula com desenvoltura a historiografia revisionista com o pensamento de autores neoliberais, assinalando as inúmeras semelhanças entre as proposições de Furet, Ernst Nolte, Richard Pipes e autores como Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek. No caso de Pipes, o detrator da Revolução Russa, a menção à von Mises é direta: a atração dos intelectuais pelo anticapitalismo seria um sintoma de sua pouca relevância, mas perigosamente estaria por trás de grandes barbáries no século XX. No entanto, são mais sutis as concordâncias de Furet com Hayek, por exemplo, embora possa ser observada estreita concordância quanto à responsabilização dos “sonhos de engenharia social” no que toca ao surgimento de regimes despóticos, seja no final do século XVIII na França, ou na Rússia soviética do século XX. Nesse terreno, revisionistas e neoliberais se irmanam no esteio burkeano.[2] Em certa medida, Losurdo aponta também para as diferenças entre os historiadores revisionistas e os autores neoliberais, já que estes últimos costumam ser mais extravagantes no espancamento das evidencias empíricas. Trata-se assim de uma obra em que o autor é capaz de localizar o lugar da historiografia revisionista no interior do debate intelectual contemporâneo.

Uma ideia permite-lhe articular os revisionismos: o propósito de liquidar a tradição revolucionária, ou melhor, o ciclo revolucionário que vai de 1789 a 1917. O resultado são desabamentos em cadeia, ou um “efeito dominó”,[3] em que a desqualificação de eventos como as revoluções francesa e russa colocam em xeque a compreensão de outros processos históricos e percepções políticas contemporâneos: “Sem a Revolução Francesa não se pode compreender o Risorgimento italiano, claramente influenciado pelo movimento de 1848, pela experiência napoleônica e, antes ainda, pela Revolução Napolitana de 1799.” (Losurdo, 2017. p. 14)

Em suma, como entender a via da construção do Estado moderno italiano sem a compreensão do caso clássico de revolução burguesa ocorrido na França no final do século XVIII? A mesma observação pode ser dirigida ao resultado da desqualificação da Revolução Russa de 1917 representados na historiografia por Pipes, Nolte e Furet:

“Por sua vez, a queda do ‘mito’ do Outubro bolchevique lança uma sombra inevitável sobre a Resistencia antifascista que se desenvolveu internacionalmente, no âmbito da qual exerceram papel preponderante as forças políticas e sociais explicitamente influenciadas pelo bolchevismo. E uma sombra ainda mais inquietante acaba por envolver o movimento revolucionário anticolonial, desde suas origens estimulado e fortemente condicionado pela agitação e pela presença comunista. Autores que não professam explicitamente o revisionismo, embora possam ser nele enquadrados, saúdam com ardor o ‘revival do colonialismo’: junto ao país nascido da Revolução de Outubro, desmoronaram também suas ‘crenças ideológicas’ e o seu ‘cânone sagrado’ de que fazia parte o opúsculo de Lenin dedicado à denúncia do imperialismo” (Ibid., p. 15).

Losurdo não se limita a criticar a historiografia revisionista e traz contribuições importantes no que toca à dinâmica da revolução burguesa na Inglaterra, o país pioneiro do capitalismo. Seria necessário entender o processo de transição ao capitalismo como resultando de três revoluções: a Reforma anglicana, a Revolução de 1640 e a chamada Revolução Gloriosa de 1688 (Ibid., p. 54-57). Desta, desdobra-se a tese, já conhecida e enunciada por vários autores, da revolução americana em duas etapas (p. ex. Moore Jr., 1983), o processo da Revolução Americana (1776-1783) e a Guerra Civil (1861-1865) respectivamente, seguidas pelo período da chamada Reconstrução (1865-1876), como constitutivos da ordem social capitalista. A ampliação do escopo da análise numa perspectiva mais global poderia permitir a Losurdo entender como a própria expansão colonial inglesa e constituição do sistema escravista colonial foram partes fundamentais desta dinâmica de constituição do capitalismo (p. ex. Linebaugh; Rediker, 2008; Wood, 2014), mas sua ideia de articular os três processos como constitutivos da revolução burguesa na Inglaterra já é uma contribuição importante.

Além do debate sobre o revisionismo de Furet e Nolte, os dois capítulos incluídos na edição inglesa e brasileira tratam do revisionismo do imperialismo presente na obra de Niall Ferguson e uma resposta ao Livro negro do comunismo. Essas duas inclusões enriquecem a obra, pois se no caso do Livro negro há uma evidente relação com paradigma histórico anticomunista que é o cerne da corrente revisionista, no revisionismo do imperialismo evidencia-se uma das principais consequências éticas de tal interpretação ao inscrever no horizonte a normalização da barbárie.

Vejamos os contornos gerais do revisionismo histórico.

Reproduzindo uma espécie de leitura canônica do liberalismo conservador sobre 1789, Furet já desde a década de 1960 cunhou a noção de dèrapage [derrapagem] para se referir à fase jacobina da Revolução Francesa, o chamado período do Terror. No livro que escreveu com Denis Richet em 1965, Lá Revolution française os autores apresentaram a tese da dèrapage para distinguir entre um momento autêntico da revolução, restrita ao paradigma liberal (sistema constitucional, divisão de poderes, ainda sob o reinado Bourbon), e um momento sanguinário, onde o igualitarismo rousseauneano conduziu a revolução a “sair dos trilhos”, “derrapando”. Essa tese absolutamente teleológica se conclui com a noção de que o processo de liberalização da França já havia se iniciado sob o Ancien Régime, e que a Revolução devia ser entendida mais como uma espécie de “acidente”.

Em seu livro mais conhecido, Pensando a Revolução Francesa, Furet basicamente acusa a historiografia marxista de ter produzido um “catecismo revolucionário”, interditando o estudo imanente da Revolução de 1789 e associando-a indevidamente à Rússia de 1917 (Furet, 1989 [1978]). Tal é o tom do revisionismo furetiano. Além de resgatar a própria condenação contemporânea da Revolução, do whig irlandês Edmund Burke, pai do conservadorismo, Furet incorpora a leitura de autores como Benjamin Constant para a censura interna do processo revolucionário, onde são exorcizados os propósitos igualitaristas associados a obra de Rousseau e aos jacobinos. Ora, o interlocutor de Hayek que assinaria embaixo de tal revisionismo de Furet é Jacob Talmon, que vê em Rousseau uma espécie de esquizóide totalitário[4]. O que seria a última obra de Furet, O passado de uma ilusão (1995), senão o coroamento desse catecismo liberal escrito ao longo de décadas em livros como Pensando a Revolução Francesa (1989 [1978]) e o seu coorganizado (pretensioso e falho em inúmeros aspectos) Dicionário crítico da Revolução Francesa (1989)?[5]

Quanto a Nolte, sua leitura de que o extermínio de judeus praticado pelos nazistas seria uma “cópia” da “violência asiática” dos comunistas russos (Nolte, 1989) inscreve no horizonte a reabilitação do nazismo, ou sua normalização, como assinalou Habermas (1989). Nolte parte do pressuposto de que se poderia colocar em pé de igualdade uma ideologia que prega o extermínio de um povo (“raça”) dos judeus com a que prega o fim do capitalismo. Antes de mais nada, vale assinalar que o trabalho nolteano é calcado numa perspectiva que dá às ideias um papel demiurgo do real, e ainda que deva ser observado que as ideologias que conquistam o assentimento das massas devam ser tomadas como forças materiais, uma interpretação de qualquer fenômeno histórico baseada apenas nesse terreno será sempre unilateral. Mas, vejamos alguns dos problemas e fragilidades internas da argumentação nolteana.

Em primeiro lugar por sugerir que, à maneira da crítica burkeana à Revolução Francesa, se deva derivar a violência do regime stalinista do marxismo, um procedimento notadamente idealista e ideológico. Em segundo, há um problema quanto ao mérito da comparação entre uma proposta política que defende o fim de uma relação social (e por suposto da existência das classes sociais que lhe dá suporte) de um determinado modo de produção daquela que defendeu o extermínio físico dos judeus, ciganos e a escravidão dos eslavos.

A leitura de Nolte se baseia numa falácia. Afinal, a transposição da tese nolteana para o século XIX levaria a que o movimento pela abolição da escravatura fosse tomado como “exterminacionista” tal como o nazismo, embora fosse evidente que, pretendendo abolir uma relação social como a escravidão os abolicionistas pretendessem liquidar as classes sociais que lhes são subjacentes, senhores de escravos e os próprios escravos. Comparar a proposta de abolição do capital (e da escravidão assalariada que é seu corolário) com o extermínio de judeus é sem dúvida desonesto.

A verdade é que, para Losurdo, o próprio Terceiro Reich pode ser lido como “uma pavorosa onda contrarrevolucionária em relação àquela revolução abolicionista iniciada com o decreto da Convenção jacobina que põe fim à escravatura nas colônias francesas” (Losurdo, 2017, p. 17). Numa abordagem notadamente influenciada por Lukács de A destruição da razão (1959 [1953]), Losurdo entende o regime nazista como “um Antigo Regime ou uma Vedeia de dimensões internacionais” (Ibid., p. 18). Oposta a isso, ao buscar equivalência entre revolução e contrarrevolução, comunismo e nazismo, a operação revisionista de Nolte desqualifica a própria noção de revolução, e nisso se encontra no mesmo terreno de Furet.

A desqualificação do conceito de revolução encontra lugar importante na noção de totalitarismo (Loff, 2014). Recuperando a dinâmica interna da obra da filósofa alemã Hannah Arendt, cujo livro Origens do totalitarismo (1949) é um marco importante nessa discussão, Losurdo lembra como nesse livro a autora ainda fazia questão de diferenciar a ditadura revolucionária de Lenin do regime terrorista e totalitário de Stalin, distinção que irá desaparecer em sua obra posterior, Da Revolução (1963).[6] Nesse último livro, Arendt vai juntar-se definitivamente à onda revisionista.

Losurdo lembra também como, entre as determinações históricas do fenômeno totalitário presente na obra de 1949 o tema dos massacres coloniais é fundamental. Ora, é justamente o tema colonial e especialmente das lutas anticoloniais que são esquecidas e desqualificadas na historiografia revisionista, certamente pela dificuldade de nesse terreno dá continuidade à desqualificação da tradição revolucionária de 1789-1917. Como é possível, por exemplo, descolar a única revolução de escravos vitoriosa na história da humanidade, aquela realizada em São Domingos (atual Haiti) entre o final do XVIII e início do XIX, e a tradição igualitária jacobina? Como descolar o vasto movimento anticolonialista ocorrido na Ásia e na África no século XX sem contabilizar a influência do chamado à autodeterminação dos povos presentes na obra de Lenin, no apelo para a transformação da guerra imperialista (a Primeira Guerra Mundial) numa guerra civil revolucionária, nas primeiras resoluções da Internacional Comunista a respeito da questão colonial e do próprio papel da URSS no apoio aos movimentos de libertação colonial?

Como demonstra Losurdo, a comparação da questão colonial demole o propósito revisionista de igualar a União Soviética com o Terceiro Reich. A admiração que Hitler tinha para com o modelo do Império Colonial Britânico é em geral recalcado na historiografia revisionista.

“O modelo de Hitler se baseia no império colonial da Inglaterra, cuja função e missão civilizadora ele leva em altíssima consideração: ‘desde o fim do Sacro Império Romano não houve na Europa um Estado superior ao da Inglaterra’. No momento do triunfo do Eixo [1942], Hitler se mostra bastante preocupado com o ‘estado de anarquia que persistirá na Índia quando da partida dos ingleses’; a Ucrânia é o ‘novo Império das Índias’, e seus habitantes, assim como os da Europa oriental em geral, são insistentemente definidos como ‘indígenas’; o fürher adverte até mesmo os italianos para que se atenham ao modelo colonial inglês no Egito e na África” (Losurdo, 2017, p. 120).

Em Guerra e Revolução o autor mostra como figuras como Winston Churchill e Henry Ford vinculavam a Revolução soviética a uma suposta “conspiração judaica” (Ibid., p. 222). E embora seja um truísmo mencionar que ambos viram com bons olhos à ascensão de Mussolini e Hitler para “conter o comunismo”, e que Ford tenha sido financiador do movimento nazista, tais elementos são comumente negligenciados na historiografia revisionista que prefere encontrar uma suposta “raíz jacobina no comunismo e no fascismo”, como o fazem Furet, Nolte e consortes. Em uma palavra, o que é recalcado na historiografia revisionista é a relação do capitalismo com o fascismo. E como bem disse Horkheimer, “quem não quiser falar de capitalismo deverá também calar-se no que diz respeito ao fascismo”.

Guerra e Revolução vem em boa hora no debate intelectual brasileiro e pode ajudar a iluminar outros debates importantes entre historiadores brasileiros, particularmente aquele centrado nos estudos sobre a ditadura militar. Como campo de batalha, a memória sobre o século XX encontra-se sobre forte ofensiva no front revisionista. E como esse “inimigo não cessa de vencer”, será necessário “atiçar no passado a centelha da esperança”, pois “nem os mortos estarão seguros se o inimigo vencer” (Benjamin, 2012. p. 12).

Referências bibliográficas

Benjamin, W. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

Cardoso, C. F. História e poder: uma nova história política? In,: Cardoso, C. F.; Vainfas, R. (orgs.). Novos domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

Furet, F. Pensando a Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989 [1978].

_____. O passado de uma ilusão. São Paulo: Siciliano, 1995.

Furet, F.; Ozouf, M. (org.). Dicionário crítico da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

Habermas, J. Tendências apologéticas. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 25, p. 16-27, 1989..

Hobsbawm, E. Dois séculos reveem a Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

Merquior, J. G. Rousseau e Weber. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990.

Linebaugh, P.; Rediker, M. A hidra de muitas cabeças. Marinheiros, escravos, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Loff, M. Depois da Revolução?… Revisionismo histórico e anatemização da Revolução. In: Melo, D. B. (org.). A miséria da historiografia: uma crítica ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2014.

Losurdo, D. Il revisionismo storico: problemi e miti. Roma-Bari: Laterza, 1996.

_____. Stálin: história crítica de uma lenda negra. Rio de Janeiro: Revan, 2010.

_____. War and Revolution: Rethinking the 20th Century. Londres: Verso, 2015.

_____. Guerra e Revolução: o mundo um século após Outubro de 1917. São Paulo: Boitempo, 2017.

Lukacs, G. El asalto a la Razón. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1959.

Nolte, E. O passado que não quer passar. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 25, p. 10-15, 1989.

_____. La Guerra Civil Europea 1917-1945. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1994.

Traverso, E. Interpretar el fascismo. Notas sobre George L. Mosse, Zeev Sternhell y Emilio Gentile. Ayer, n. 60, p. 227-258, 2005.

Vovelle, M. Combates pela Revolução Francesa. Bauru: Edusc, 2004.

Wolfreys. J. Twilight Revolution: François Furet and the Manufacturing of Consensus. In: Wolfreys, J.; Haynes, M. (orgs.). History and Revolution: Refuting Revisionism. Londres: Verso, 2007.

Wood, E. M. O império do capital. São Paulo: Boitempo, 2014.

[1] Os dois artigos que iniciaram essa controvérsia, de Ernst Nolte e Jürgen Habermas, foram publicados no Brasil em Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 25, 1989.

[2] E não por acaso no início da década de 1982 Furet ajudou a fundar e foi presidente do think tank Foundation Saint-Simon, dedicado à defesa da economia de mercado, da crítica ao “totalitarismo” e defesa da democracia representativa.

[3] Como na tradução brasileira.

[4] Para uma crítica interessante por parte de um sofisticado autor liberal, ver Merquior (1990: 38).

[5] Outras críticas ao revisionismo de Furet que confluem nesse mesmo sentido pode ser lidas em Hobsbawm (1996), Vovelle (2004) e Wolfreys (2007). Sobre os problemas do Dicionário, o saudoso Ciro Flamarion Cardoso escreveu que Furet teve a “audácia de ignorar de todo a obra de Albert Soboul, um historiador marxista que, pelo contrário e sem dúvida alguma, era um especialista da Revolução Francesa com abundante pesquisa baseada em fontes primárias” (Cardoso, 2012. p. 48).

[6] Esse ponto é emblemático da fase da obra de Losurdo quando escreveu o livro aqui comentado, já que na década de 1990, no contexto de crise e tentativa de refundar o comunismo italiano, tinha uma lavra mais ecumênica em relação à tradição marxista, mencionando, por exemplo, a figura de Leon Trotsky em chave positiva, e pouca disposição de defender Stálin. Uma postura muito distante dessa encontra-se na obra posterior de Losurdo, culminando na hagiografia que escreveu sobre o ex-dirigente soviético. Nesta a liquidação do antigo grupo dirigente do partido bolchevique, entre os quais Trotsky e Bukharin, é referida como uma “terceira guerra civil”. Como bem disse um amigo virtuoso, uma “estranha guerra civil onde só um lado morre”. (Losurdo, 2010).

[Resenha a:] MARANHÃO, Carlos. Roberto Civita. O dono da banca. A vida e as ideias do editor da Veja e da Abril. SP, Companhia das Letras, 2016.


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Carla Luciana Silva

Uma pessoa que escreve na sua agenda “coitus interruptus: FHC phone call” tem a certeza de que esse registro vai figurar em sua biografia. Tem também um ego inflado, e uma grande satisfação na vida, aquela de quem tem certeza de que é influente e que, portanto, seus objetivos de vida foram atingidos. Ajudou a eleger o presidente. Recebe suas ligações e atende em qualquer momento, mesmo que isso interrompa seu ato sexual, afinal, as ligações sempre vêm atrás de um conselho. É isso que se depreende no livro: “os políticos e o presidente da República vivem me chamando” (Maranhão, 2016, p. 406).

À historiadora couberam páginas e páginas tentando mostrar essa simbiose entre o presidente e o editor, sempre com cuidados e senões (Silva, 2009), para agora, em poucas linhas, aparecer essa síntese brilhante: Roberto Civita amava FHC e tudo que ele representava no Brasil. Mas dito por um historiador, pode ser acusado de teoria da conspiração. Contado como uma bela biografia, talvez seja levado mais a sério como indício das relações entre imprensa e poder no Brasil.

A biografia de Roberto Civita nas suas primeiras dezenas de páginas parece que não vai passar de uma hagiografia. Elogios e admiração transparecem a todo momento. Mas o texto surpreende. Não que passe a ser crítico, mas por ser um trabalho bem feito, muito rico, de grande valor para qualquer pesquisador da história da imprensa brasileira recente. É uma leitura envolvente, sobretudo para quem conhece um pouco do universo sobre o qual a trajetória do biografado vai se desenvolver, a história da revista Veja, seus bastidores, suas relações de outra forma apenas suspeitas, são desvendadas na biografia. A relação de fundo é com a editora Abril. Mas a menina dos olhos, o centro de tudo, era a revista Veja. Civita recebia seu exemplar e rabiscava-o totalmente, apontando erros e discordâncias aos editores. O autor da biografia nos jura que ele não interferia nas matérias antes de serem publicadas, a não ser em situações excepcionais narradas no livro. Em todo caso, atesta que a linha editorial era acertada por Civita previamente, e era conferida sempre: “eu não mudo capa. Eu mudo diretor!” (Maranhão, 2016, p. 414) Essa frase de Civita é comprovada ao longo da obra.

Além disso, Civita não deixava lugar a dúvidas: “em termos de opinião, seguimos uma linha. Do contrário, faremos uma revista anódina, sem cor, sem posição. Os leitores sabem o que pensamos. Não preciso agradar a todo mundo” (Ibid., p. 420). É uma frase ambígua. Para quem se coloca sempre ao lado “dos fatos”, a questão de uma revista não é agradar, e sim, estar correta diante dos fatos. Mas, mais fundo que isso, aqui é a negação de ser portadora de um programa de ação, o que é contraditório ao indicar que a revista deve “ter posição”, e isso não é uma questão de gosto, e sim de identidade política.

Biografia oficial, cronológica, previa 37 entrevistas com a finalidade de formular uma autobiografia. Oito foram realizadas, veio a morte do biografado. O autor, que fora funcionário da Abril por mais de quarenta anos, teve que usar a sua experiência jornalística e contatos que só ele (como escolhido pelo biografado) teria para sair atrás da história. Sorte dos leitores que não vão ler o relato de alguém que se achava o melhor em tudo que fazia, e sim, o relato que está longe de ser imparcial, mas que permite na leitura o exercício da reflexão histórica.

Como alertara Bourdieu (2006), uma biografia não é uma história de vida, mas uma trajetória, relacionada com uma história. A primeira reflexão dessa história, que salta aos olhos, é que o mundo que envolveu na constituição da editora Abril foi um mundo de ricos. Milionários. Que não hesitavam em gastar milhões em férias com amigos no Caribe, ou mais de 200 mil em um jantar no restaurante Fasano. Riqueza inatingível para os mortais leitores, mas parcialmente compartilhada com seus executivos, diretores, sócios. Seria eventualmente jogada em pílulas através de matérias que mostravam e exaltavam a riqueza nas páginas das revistas do Grupo Abril. Tudo isso era necessário para criar um campo de proximidade e unidade entre eles. Uma unidade que pegava a todos, especialmente aqueles jornalistas que tinham uma origem de esquerda, mas que se renderiam ao pensamento da revista. Eurípedes Alcântara, um dos diretores da revista, diria que ele mesmo fora no passado militante de esquerda (chegou a editar a revista Teoria e Debate do PT), mas que era “a UDN dos trotskistas (…) já era conservador quando era de esquerda” (Maranhão, 2016. p. 416).

O autor não tem qualquer problema em identificar “um pensamento” de Veja, um conjunto restrito de ideias, a defesa do capitalismo inconteste, o anticomunismo, o “livre mercado” formavam a essência dessas ideias. Nas palavras de Civita, tudo isso se somava a um desejo de “fazer algo para o Brasil”. Diante disso, a tese da criação de um “sujeito Veja” (Silva, 2009) fica confirmada e atestada. Esse sujeito era o porta-voz das posições da grande empresa que se tornou a Editora Abril. O autor insiste ao longo da obra em uma autonomia editorial, mas absolutamente amarrada aos princípios do capitalismo. O anticomunismo não é um simples discurso, mas uma prática sistemática. Entretanto, há uma falta, provavelmente proposital, que é o silenciamento absoluto sobre as relações de classe, as relações de outros centros formuladores de políticas e pensamento por parte da editora Abril. Está certo que Roberto centralizava, mas é equívoco fazer supor que isso vem apenas de sua cabeça. O livro silencia sobre isso, mencionando a formação que ele teve ainda na década de 1950 no Estados Unidos. Isso pode ajudar a explicar um sentido de posição, mas não as alterações que vão sendo feitas ao longo das décadas para se readequar às mudanças do capitalismo no Brasil.

As relações sociais burguesas são amplas: Banco Safra, Banco Itaú, editora Abril, presidente FHC, sentados à mesa ou conversando ao telefone. Uma simbiose de quem sabe o que é gastar dinheiro. O espírito empreendedor, a criação do impossível arriscando o que não tinha, o homem que se faz, não sozinho, mas com seus parceiros de fé. Mas como formulam “o que fazer”? Sobre isso não há nada dito. Além disso, há, em profusão, conflitos intraclasse. São vários os conflitos com a Globo e com o Grupo Folha apontados na obra e que merecem maior estudos. Algumas dessas questões são sempre passıveis de desconfiança para os pesquisadores, mas podem ser facilmente atestadas por quem está lá, degustando seu uísque e seu iate no Mediterrâneo. Reuniões em Nova York ou Londres aparecem a todo momento, sempre que algo muito importante precise ser decidido. Qual o contexto das reuniões e quem é consultado? Não sabemos.

Faz sentido mostrar Roberto Civita como um norte de sua empresa. Ele agia como uma espécie de manual de redação, embora não houvesse um oficialmente. Definia princípios para os jornalistas, muito reverberados desde os cursos Abril de jornalismo, até a criação de um MBA na área.[1] Há uma passagem em destaque sobre “como se lidera o mercado de revista”, atribuída a Civita. Dentre os itens em destaque, ressalta-se “localize sua empresa em São Paulo, de preferência na década de 1950”, o que explicita que a Abril era um caso único, e também “conheça seu mercado”. Essa tecla é rebatida como a chave do sucesso, tanto que o subtítulo do livro é “o homem da banca”. Isso se deve ao fato de que ele dizia sempre que é necessário “conhecer o leitor”, saber o que ele queria, conversar com os jornaleiros, fazer pesquisas. Uma fórmula nova. Mas uma fórmula muito questionável, na medida em que nos parece que a segmentação sempre foi uma forma de ajudar a formar o próprio leitor (Silva, 2008), atingindo todos os aspectos da sua vida.

O livro mostra bem os momentos de crise da editora Abril. Inicialmente a crise gerada pela criação da revista Veja, que já era conhecida, mas é bem esmiuçada na obra. E posteriormente, nos anos 2000, quando o Grupo Abril investe na televisão, com a TVA, que quase levou a empresa à falência. No primeiro caso, insistência e perseverança; no segundo, choque de gestão, enxugamentos, remodelação estrutural, mantém-se o grupo. A narrativa nos permite perceber que os caminhos diante da reestruturação produtiva que se construía nos anos 1990 também atingiram em cheio o Grupo Abril. Há detalhes desse processo que tem a ver com o alto custo da tecnologia para a instalação de televisão paga, o que levou a uma dívida que beirava um bilhão de reais! (Maranhão, 2016, p. 377) A saída foi a venda de capital para grupos estrangeiros, processo esse que foi facilitado no final do Governo de Fernando Henrique Cardoso.

Um dos elementos bastante tocados na obra é a “troca de guarda” de Veja. Chave do sucesso da editora, sempre foi difícil lidar com o nome à frente da revista. Inicialmente, o problema se relaciona a Mino Carta, há uma vasta discussão sobre ele, uma espécie de história passada a limpo para responder ofensas que Mino teria feito ao longo da vida contra Roberto. Mas o mais interessante são os conflitos nos anos 1990. Primeiro o conflito envolvendo Mario Sergio Conti, que foi o diretor da época de maior alavanca da revista, aquela do impeachment de Fernando Collor. Conti em sua obra (Conti, 2012) insinua que a Veja recebia dinheiro para publicar matérias, o que evidentemente foi imperdoável para a imagem da editora. Entretanto, a troca de favores entre revista e anunciantes não é uma relação direta, ela mereceria um estudo mais aprofundado, com acesso a informações de bastidores que são difíceis ao historiador. Houve momento de discordância editorial, por exemplo, na Exame, quando foi dirigida por Rui Falcão, que viria a ser presidente do PT. Há um reconhecimento da existência de profissionais de esquerda. Alguns deles mudam de posição (seria o caso, mais à frente de Reinaldo Azevedo). Ao mudarem de posição, eles têm necessariamente que se adequar à linha editorial. Se não o fizerem, estão fora do projeto como ocorreria com Falcão. Se o fizerem, mostram como as ideias de direita seriam superiores. As revistas não são em nenhuma medida um “terreno em disputa”.

Algo curioso, que já fora percebido, mas que não tínhamos certeza das motivações, foi a opção durante o período de Tales Alvarenga à frente da revista por uma linha editorial mais “de serviço”, de comportamento, de “sociedade”: “a revista passou a publicar reportagens sobre problemas conjugais, o poder do cérebro, viagens à Disney, dietas, o crescimento dos carismáticos na Igreja católica e perfis de personagens como o apresentador Ratinho e o escritor Paulo Coelho” (Maranhão, 2016, p. 360). Foi um período apenas, logo substituído pela volta à política na capa da revista. Essa postura seria sempre necessária para manter o poder de Roberto Civita já que Veja era “um corpo à parte da empresa. A república da Veja”, (Ibid., p. 361) E por isso precisa “ter dentes”: “não pode ser um leão desdentado”, nas palavras do diretor que substituíra Tales, Eurípedes Alcântara. Mesmo assim, o livro atestava a fidelidade de Tales: “na redação era de conhecimento geral que ele, simpático ao liberalismo e ao sistema capitalista, não gostava da esquerda, defendia as privatizações do governo Fernando Henrique e se opunha à presença do Estado na economia” (Ibid., p. 359).

Do ponto de vista político, há um conflito claramente colocado. Já havíamos percebido que no primeiro momento do governo Lula a revista não fez oposição direta. Pelo contrário, apoiou as medidas econômicas que estavam sendo seguidas pelo PT da “Carta aos Brasileiros” (Silva, 2006). Maranhão mostra que “naquele primeiro ano, não foi dada nenhuma capa contra o presidente em início de mandato” (Maranhão, 2016, p. 412). É preciso que nos debrucemos mais sobre esse período mais recente, mas o livro aponta um caminho frutífero.

A ojeriza ao PT e seu projeto seria corporificada em uma figura, José Dirceu. A admiração teria levado a uma tentativa de acordo mais explícito? Maranhão relata que “em pelo menos uma ocasião, Roberto se impressionou com o que José Dirceu lhe expôs. ‘Ele fala como se fosse um de nós’, disse”. E em seguida o autor explicita as palavras do novo Presidente do Grupo, Maurizio Mauro: “José Dirceu, não Lula, é que deveria ser o alvo de suas preocupações. ‘Se ele for o sucessor, estamos fritos’” (Ibid., p. 394). São enigmáticas essas palavras, mas há uma admiração e uma tentativa de transformá-lo em seu interlocutor? Ou há um medo que justificaria acabar com seu possível crescimento?

De qualquer forma, há aqui uma sinalização importante para a cristalização do antipetismo que se aprofunda após o Mensalão. Não é à toa que José Dirceu seria alvo de campanhas que ‘permitiram punição contra ele no processo do Mensalão. É um tema a ser aprofundado.

Roberto Civita morreu em 2013. A Abril seguiu o processo de reestruturação imposta às empresas de comunicação nos anos 2010. Mas, contra prognósticos, Veja segue existindo.

Claro que esse livro vai servir, em grande medida, como uma espécie de autoajuda para empresários, que irão admirar o homem que do nada criou um quase império. Muito criativo, muito corajoso, pronto para os grandes desafios que ele mesmo criava. De outro lado, para historiadores que se preocupam com as formas da dominação burguesa no Brasil, sem querer ter sido isso, o livro é uma grande leitura.

Referências bibliográficas

Bourdieu, P. A ilusão biográfica”. In.: Figueiredo, J.; Ferreira, M. (orgs.) Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

Conti, M. S. Notícias do Planalto. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Maranhão, Ca Roberto Civita. O dono da banda. A vida e as ideias do editor da Veja e da Abril. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

Silva, C. L. O “admirável mundo” de Veja: influências sociais de uma revista de informação”. Historia Actual On Line, n. 15, p. 89-105, 2008.

_____. A Carta ao Leitor de Veja: um estudo histórico sobre editoriais. Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, v. 32, n. 1, p. 89-107, jan.-jun. 2009.

_____. Veja e o PT: do “risco Lula” ao “Lula light”. Lutas Sociais, n. 15-16, 2006.

_____. VEJA: o indispensável partido neoliberal. Cascavel: Edunioeste, 2009.

[1] Dirigido por Eugenio Bucci, o curso formou 79 alunos (Maranhão, 2016, p. 431).

[Resenha a:] SENA JR., Carlos Zacarias (org.). Capítulos de história dos comunistas no Brasil. Salvador: UFBA, 2016.


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Lucas de Oliveira

A publicação, no atual contexto, de um livro sobre história dos comunistas no Brasil é importante em muitos sentidos. Em primeiro lugar, porque nesta obra a diversidade de temas se ajusta a uma multiplicidade de perspectivas que permite iluminar as transformações porque passou, em sua longa trajetória, o objeto a que estão dedicados os textos dos autores e autoras aqui reunidos: o PCB. Além disso, estes capítulos – que são plurais – fazem parte de um esforço combatente contra o esquecimento e a desagregação que busca, a todo tempo, avançar contra a história das experiências de lutas e organizações populares.

Organizada por Carlos Zacarias de Sena Júnior, professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia, a coletânea reúne uma série de onze artigos produzidos nos marcos do Seminário sobre os Comunistas no Brasil realizado na Bahia em junho de 2012, recordando o cumprimento dos 90 anos do PCB. Os textos aparecem agrupados em três partes definidas cronologicamente: I – “Das origens à Aliança Nacional”; II – “Resistência e legalidade”; e por último III – “Do manifesto de Janeiro de 1948 à Declaração de Março de 1958 e além”. A amplitude cronológica abarcada por estes Capítulos torna possível a realização de uma apreciação crítica a respeito da trajetória dos comunistas no país, fundamental para o aprendizado político a que Marcos Del Roio faz referência no prefácio: “Não só para saber dos erros, das derrotas, mas também dos momentos de glória e luta heroica contra a exploração capitalista e a opressão colonial”.

Na Introdução, a pena de Carlos Zacarias ergue-se uma vez mais contra as armadilhas das leituras ideologicamente seletivas sobre o passado, já bem designadas algures como revisionistas. Partindo de uma reflexão a respeito das distintas interpretações sobre a Revolução Russa e seus desdobramentos, o autor chama a atenção para as importantes ausências, no mercado editorial brasileiro, de bibliografia sobre o tema. Em seguida, analisa a trajetória da historiografia sobre o PCB, avaliando suas principais tendências desde os anos 1960. Aludindo à distopia teórica lançada sobre parte historiografia a partir da debacle do chamado “socialismo real”, o autor demonstra como nas últimas duas décadas assistiu-se a um giro conservador em algumas publicações sobre o tema. Por isso, o questionamento que dá título a seu texto “Por que uma história dos comunistas brasileiros?”, soa também como um manifesto, um demarcador de posições que serão exploradas ao longo do livro. Inserindo estes Capítulos nos debates intelectuais vigentes, Carlos Zacarias de Sena Júnior lembra que “não podemos conceder essa história tão cara aos militantes e à própria historiografia brasileira (…) a uma abordagem que inspire, nem de longe, algum tipo de anticomunismo”.

A primeira parte do livro, “Das origens à Aliança Nacional Libertadora (ANL)”, é inaugurada por um texto de Marly de Almeida Gomes Vianna intitulado “Observações sobre ideias socialistas, anarquistas e comunistas na imprensa (1902-1924)”. Conhecedora do tema e autora de obras importantes sobre o assunto, Vianna analisa os veículos de imprensa vinculados a essas distintas vertentes do incipiente movimento operário brasileiro buscando entender como aqueles trabalhadores compreendiam sua situação e que tipo de política buscaram levar a cabo no enfrentamento da dominação capitalista. Assim, através da leitura de panfletos, volantes, revistas como Movimento Comunista e de jornais de grande tiragem como A Guerra Social, Na Barricada, Guerra Sociale, A Lanterna e A Voz do Trabalhador, Marly Vianna consegue identificar importantes diferenças nas análises conjunturais, nas estratégias de construção orgânica e na elaboração de projetos políticos por cada uma dessas correntes. Aponta também para aspectos em comum: o esforço árduo para constituir-se enquanto vanguarda política de uma classe em formação.

No capítulo seguinte, “Notas sobre as primeiras movimentações comunistas na Bahia e na Região Cacaueira”, Marcelo da Silva Lins, professor da UESC, procura acompanhar os primeiros passos do PCB na Bahia, apontando para a dificuldade em definir uma “certidão de nascimento” para a organização no estado. Nesse sentido, lançando mão de livros de memórias de antigos militantes e de pesquisa documental nos arquivos da repressão, o autor procura reconstruir a trajetória inicial dos comunistas na Bahia desde meados de 1925, quando das primeiras filiações formais, até as conflituosas relações estabelecidas com a ANL dez anos mais tarde.

A trajetória de Antônio Maciel Bonfim é abordada no artigo de Raimundo Nonato Pereira Moreira em perspectiva biográfica. Investigando a formação política e o percurso intelectual de seu personagem, o autor procura operar uma reavaliação “do itinerário de um indivíduo transformado em farrapo humano pelo aparelho repressivo” e, além disso, “submetido a um impiedoso processo de liquidação política pelos companheiros de partido”. Assim, é lançando mão de fontes documentais memorialísticas e jornalísticas que Moreira escreve o seu “Antônio Maciel Bonfim ou ‘o celebre Miranda’: entre a história e a memória”.

A primeira parte do livro se encerra com o texto “1935: A Manhã e a ‘Campanha dos 50” de Dainis Karepovs a respeito da chamada “Campanha dos 50%”. Tomando como fonte principal o jornal carioca A Manhã, cuja linha editorial esteve fortemente influenciada pela atuação dos comunistas no período analisado, o autor se aproxima das formas de construção do movimento de estudantes na luta por “abatimentos nos meios de locomoção e diversão”. Deslindando as formas específicas de vinculação entre o movimento e a ANL, Karepovs acompanha a trajetória da Campanha entre agosto e novembro de 1935, quando começa a se desarticular, em partes por conta das férias escolares, em partes pela utilização crescente do “tacão da repressão política”.

“O território do tornar-se: pelas ruas e esquinas o intelectual baiano se fez comunista”, escrito por Rafael Fontes, inaugura a segunda parte do livro, enfrentando reflexões a respeito da conformação urbana da cidade de Salvador na primeira metade do século XX, acerca dos intelectuais em geral e dos intelectuais comunistas e do rol por eles ocupado naquele cenário.

Carlos Zacarias de Sena Júnior colabora, nesta segunda parte do livro, com o artigo intitulado “O esteio da ordem: comunistas, greves e sindicatos no Brasil (1945-1948)”. Desde o título, o artigo aponta para os conflitos enfrentados pelo PCB a partir de sua aposta na perspectiva de coexistência pacífica adotada pelos Partidos Comunistas vinculados a Moscou, associada à tentativa de aliança com setores tidos como progressistas da burguesia em nome do desenvolvimento nacional. Nesse sentido, ao longo do texto, Zacarias demonstra como a defesa de soluções políticas e econômicas “dentro da ordem e do respeito mútuo entre as classes” por parte da organização coincidia com sua política de colaboração de classes e de defesa irrestrita do que entendia ser a “paz democrática”.

Em seguida, Raquel Oliveira Silva analisa a implantação, em Salvador, dos Comitês Populares Democráticos (CPD) a partir de 1945 em artigo intitulado “O PCB e os Comitês Populares Democráticos em Salvador (1945-1947)”. Utilizando periódicos publicados no período, inclusive O Momento, vinculado ao Partido, Silva discute a forma como esses Comitês constituíram um esforço por parte do PCB em se aproximar de setores populares não pertencentes aos espaços sindicais.

“Insubordinação das bases do PCB frente às orientações dos Manifestos de Janeiro de 1948 e Agosto de 1950”, escrito por Ede Ricardo de Assis Soares, já faz parte da terceira parte do livro. Nesse texto, o autor discute as discordâncias surgidas no PCB de Alagoinhas, cidade do interior baiano, com relação às alterações dos Manifestos de Janeiro de 1948 e Agosto de 1950, demonstrando peculiaridades interessantes no que diz respeito à atuação dos comunistas em pequenos núcleos e cidades do interior.

Na sequência, o texto assinado por Frederico José Falcão, “A declaração de Março de 1958 na história do PCB”, se debruça sobre o horizonte político adotado pela organização a partir de finais da década de 1950. Analisando documentação interna do Partido e utilizando entrevistas realizadas a seus antigos membros, o autor procura compreender a repercussão dos debates ao redor da famosa Declaração no interior do partido, atentando para as transformações que ela provocou.

Em “A contradição principal: PCB e outros comunistas entre a ‘classe’ e a ‘nação’ (1956-1959)”, o professor da Universidade Estadual de Feira de Santana, Eurelino Coelho, analisa as formulações em torno da chamada “Questão Nacional” entre marxistas brasileiros. Acompanhando os debates entre os marxistas do PCB e “os outros” (vinculados à Polop e, principalmente, à Liga Socialista Independente), o autor busca demonstrar – refutando afirmações em contrário – que essa além de ter sido uma questão frontalmente enfrentada pelo marxismo brasileiro, na prática, significou muito para a definição da estratégia revolucionária adequada à situação brasileira.

Por fim, o artigo de Muniz Gonçalves Ferreira “Um capítulo não escrito da história do comunismo brasileiro: a trajetória e as funções da Revista Internacional (Problemas da Paz e do Socialismo) no período: 1958-1990” encerra o livro com uma interessante análise sobre o papel cumprido, ao longo de uma extensa trajetória, pela Revista Internacional (Problemas da paz e do Socialismo) avaliando as relações entre o que ali circulava e as políticas e concepções adotadas localmente pelo PCB, destacando o papel formador e organizador da revista..

Pela diversidade dos temas que aborda e das questões que contêm, não é hiperbólico dizer: este é um livro importante. Lançado num contexto em que amplos setores da sociedade flertam com visões de mundo apoiadas no anticomunismo mais recalcitrante, o panorama que a obra oferece demarca posições políticas. No oceano da história dos comunistas, aqui aparecem textos em diferentes níveis de profundidade, de alcance, de horizonte. Todos eles, no entanto, a recordar que “o mar da história é agitado” e a contribuir no resgate de experiência dos trabalhadores em sua luta por emancipação.

[Resenha a:] DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016


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Rafaela Cyrino

O livro de Angela Davis “Mulheres, raça e classe” nos fornece um rico material de análise e reflexão, fundamental para a construção de um projeto político comprometido com uma transformação revolucionária que nos conduza a uma sociedade livre de qualquer tipo de opressão. O entrelaçamento realizado pela autora entre os componentes econômico, político e ideológico do modo de produção escravista e capitalista, nos permite enxergar como as diversas opressões se combinam e se entrecruzam na sustentação de projetos de dominação de classe. Além disto, Davis discute, a partir de realidades históricas concretas, como estas opressões criam, de maneira recorrente, ideologias de suporte, práticas de exploração e estratégias políticas de coerção, dominação e controle dos grupos dominados, as quais interferem, de maneiras contraditórias, na história dos diversos movimentos de luta e resistência, como o movimento abolicionista, o movimento antiescravagista, o movimento sufragista, o movimento de mulheres, o movimento associacionista, a luta pelos direitos reprodutivos, entre outros.

Angela Davis inicia o seu rico percurso histórico resgatando as bases do sistema escravagista, em que os negros, tratados como coisas, eram vistos apenas como unidades de trabalho lucrativo e não como seres humanos (p. 17). No sistema escravagista o povo negro, definido como propriedade, foi submetido a formas violentas de coerção, domínio e controle, em um sistema caracterizado por uma desumanização cotidiana materializada em atos cotidianos de tortura, estupro, espancamento, chicotada, entre outros. Apesar da crueldade e da insanidade do sistema escravista e do intenso processo de dominação do povo negro, minimizada, segundo Angela Davis, pela literatura da escravidão, a autora pontua as estratégias de resistência e de luta do povo negro, consubstanciadas em revoltas, fugas e sabotagens, resgatando personagens importantes na história de resistência do povo negro, como a abolicionista Sojourner Truth.

A autora discute, de maneira magistral, de que maneira, com a abolição da escravatura e a ascensão do chamado “trabalho livre”, ocorre uma reconfiguração das diversas opressões (de classe, sexo e raça). Este processo, abordado por Heleieth Saffioti em A mulher na sociedade de classes, significa a seleção de caracteres sexuais, raciais e de classe para operarem como marcas sociais que permitem hierarquizar os membros da sociedade de acordo com “as necessidades e conveniências do sistema produtivo de bens e serviços (SAFFIOTI, 2013. p. 60). Angela Davis, ao abordar a reconfiguração que visa legitimar e consolidar a dominação de classe capitalista, discorre sobre as diferentes tarefas, trabalhos e ideologias que são destinadas aos diversos grupos oprimidos. Assim, enquanto foram destinados às mulheres negras, em um primeiro momento, no período pós-abolição, o trabalho na agricultura e no serviço doméstico, sujeito a condições de exploração extremas e perpetuador de práticas de violência (como o abuso sexual por parte dos patrões), para as mulheres brancas pobres foi destinado o extenuante trabalho na fábricas, enquanto para as mulheres burguesas de classe média foi destinado a tarefa de cumprirem com dedicação a “nobre missão” de “ser mãe e dona de casa”, missão esta sustentada pela ideologia da maternidade, com forte viés racial e de classe.

Davis, ao historicizar a ascensão do culto à maternidade e à feminilidade no século XIX, como um subproduto da industrialização, discute como este culto legitimou a clivagem provocada pelo capitalismo industrial entre economia doméstica e economia pública, ao enfatizar o papel das mulheres como mães, protetoras e donas de casa, circunscritas a um espaço doméstico, definido doravante como não produtivo. Entretanto, Davis, além de discutir, do ponto de vista capitalista, a funcionalidade desta ideologia, ressalva o seu viés racista e classista, pois a ideia de mulher veiculada pelo mito da feminilidade não incluia nem as escravas do regime escravagista, que, “aos olhos de seus proprietários, não eram realmente mães” (p. 19), mas apenas reprodutoras e nem as traballhadoras superexploradas nas fábricas, que não se adequavam bem ao modelo burguês de “dona de casa”.

Ao mostrar como as ideologias são marcadas pelas hierarquias e clivagens que constituem a sociedade de classes, Davis discute como as opressões anteriores são ressignificadas de maneira a legitimar a dominação de classe tipicamente capitalista. Entretanto, e este me parece ser um ponto fundamental do seu livro, o estabelecimento dos nexos causais entre capitalismo, sexismo e racismo traz à tona uma história não linear, repleta de contradições, entre diversos movimentos e lutas de resistência das mulheres, dos negros e da classe trabalhadora.

Nesta história, a autora destaca, para cada período analisado, a configuração econômica, política e ideológica, em que sobressaem interesses e prioridades diversas, revelando como, em uma sociedade hierarquizada, aquilo que é definido como uma demanda política das “mulheres“ pode se configurar de maneira a defender interesses particulares, de uma determinada classe ou grupo social. Davis observa que, no interior do movimento das mulheres, em seus primeiros anos, constituído principalmente por mulheres brancas e de classe média, pouco se discutia as condições sociais da população branca trabalhadora, as quais constituíam a maioria do proletariado. Entretanto, mesmo que as líderes do movimento das mulheres lutassem prioritariamente pela concessão do voto às mulheres, enquanto a massa das trabalhadoras estivesse mais preocupada com os seus problemas imediatos (salários, jornadas, condições de trabalho), houve, mesmo com um viés de classe, um maior envolvimento do movimento de mulheres nas lutas operárias das mulheres no período pós-guerra.

Por intermédio de uma análise histórica consistente, Davis, ao mesmo tempo em que aborda o “profundo vínculo ideológico, entre racismo, viés de classe e supremacia masculina” (p. 81), discute o racismo presente no movimento sufragista feminino. A autora mostra, a partir de relatos históricos, como a disputa política pelo direito ao voto para as mulheres, motor do movimento sufragista, significou, em determinados contextos, como no período pós-Guerra Civil, uma estratégia de exclusão das demandas das mulheres negras por este mesmo direito, sob o argumento da conveniência (de que a defesa do voto das mulheres negras poderia dificultar a conquista do voto feminino). O argumento da conveniência evocado assinala uma mudança na correlação de forças no interior mesmo do movimento de mulheres, o qual se afasta da causa antiescravista que havia anteriormente abraçado com entusiasmo. Davis não omite desta história como a Nawsa (Associação Nacional pelo Sufrágio das Mulheres Americanas), caracterizada por Shulamith Firestone (1976) como altamente conservadora, além de reproduzir a ideologia da maternidade, adota o argumento da supremacia racial para negar o direito de voto às mulheres negras. (p. 130). Como observa Davis, neste caso específico, nenhum tipo de sororidade entre as mulheres brancas e negras foi possível. Que a evocação desta história nos sirva de lição contra o divisionismo e como fomento para o desenvolvimento de uma consciência política ampliada que busque combater os diversos sistemas de opressão que configuram esta sociedade.

Como a história evocada por Angela Davis não é uma história linear e única, mas repleta de contradições, a autora e militante nos dá diversos exemplos de alianças solidárias e sinceras entre mulheres brancas, negras, trabalhadoras e burguesas, as quais estiveram, em muitos contextos, fortemente unidas em defesa, por exemplo, do direto à educação para a população negra. Davis evoca como um exemplo marcante de sororidade que as mulheres brancas tinham em relação às mulheres negras, o engajamento político de mulheres como Myrtilla Miner e Prudence Crandall, as quais “sacrificaram a própria vida ao tentar transmitir conhecimentos às jovens negras” (p. 110). Como nos lembra a autora, “A união e a solidariedade entre (as mulheres negras e brancas) ratificaram a eternizaram uma das promessas mais férteis da nossa história.” (p. 116), indicando que a “sororidade entre as mulheres brancas e negras era de fato possível e, “desde que erguida sob uma base firme poderia levar ao nascimento de realizações transformadoras” (p. 112).

Ao recuperar a trágica história de segregação racial nos Estados Unidos, Davis demonstra como os movimentos antiestupro e antilinchamento de negros foram enfraquecidos por ideologias racistas, como o mito que representa o homem negro como estuprador e a mulher negra como promíscua. Tais mitos, ao operarem imprimindo as marcas de animalidade e bestialidade na população negra, tanto incitaram agressões racistas quanto foram uteis à superexploração da população negra pelo sistema capitalista. Se é verdade, afirma Davis, que, no movimento feminista houve quem se deixou cair na armadilha destas ideologias racistas, entre elas a feminista radical Shulamith Firestone, a autora não deixa de apontar o papel de “corajosas mulheres brancas que sofreram oposição, hostilidade e até ameaças de morte (p. 197) pela cruzada que empenharam contra os linchamentos da população negra.

Prosseguindo com o seu compromisso de mostrar as contradições históricas e as diversas maneiras de se relacionar com as clivagens constitutivas do sistema, Angela Davis denuncia a prática eugenista e racista que impôs a parcelas importantes da população negra e pobre norte-americana (sobretudo as mulheres porto-riquenhas, negras, de origem mexicana e indígena) uma esterilização compulsória. Davis procura compreender, a partir desta realidade histórica, uma clivagem importante que ocorreu na luta das mulheres pelos direitos reprodutivos. A autora observa, novamente, como o viés de classe e o racismo se infiltraram no movimento pelo controle de natalidade desde a sua infância, distanciando as feministas que lutavam pela “maternidade voluntária”, vista como um caminho para o acesso a uma carreira profissional , e a classe trabalhadora e pobre, engajada na luta pela sobrevivência econômica e submetida ao “dever” de restringir o tamanho de sua família.

Angela Davis, militante negra, feminista e marxista, através de uma análise teórica crítica e consistente das múltiplas contradições que se expressam nas sociedades de classes, indica que uma política feminista verdadeiramente radical deve lutar contra todas as opressões, estabelecendo os nexos causais entre capitalismo, sexismo e racismo e combatendo toda forma de divisonismo que a desvie do seu caráter revolucionário.

Referências bibliográficas

Saffioti, Heleieth. A mulher na sociedade de classes. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

Shulamith, Firestone. A dialética do sexo. São Paulo: Labor do Brasil, 1976.

Contra-hegemonia e política popular no Oriente Médio: uma entrevista com John Chalcraft


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Contra-hegemonia e política popular no Oriente Médio: uma entrevista com John Chalcraft

Resumo: Nessa entrevista, o professor da London School of Economics, John Chalcraft, comenta algumas de suas principais obras destacando a importância do conceito de contra-hegemonia em seu trabalho e como ele pode ser operacionalizado para dar conta da pluralidade de formas de resistência na transição para o capitalismo em diferentes partes do mundo e especialmente no Oriente Médio.

Palavras-chave: 1. Contra-hegemonia; 2. Política popular; 3. Oriente Médio.

 

Counter-hegemony and people’s policy in the Middle East: an interview with John Chalcraft

Abstract: In this interview, London School of Economics professor, John Chalcraft, comments some of his main works, highlighting the importance of the concept of counter-hegemony in his work and how it can be operated to deal with the plurality of the multiple forms of resistance in the capitalist transition in different parts around the world and specially in the Middle East.

Keywords: 1. Counter-hegemony; 2. Popular politics; 3. Middle East.

Revolução passiva e crise de hegemonia no Brasil contemporâneo


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Revolução passiva e crise de hegemonia no Brasil contemporâneo

Resumo: Este artigo busca refletir sobre o fenômeno do lulismo e sua crise a partir de certas categorias desenvolvidas por Antonio Gramsci nos Cadernos do Cárcere. Inicialmente, remete-se à noção de revolução passiva e ao debate aberto por Carlos Nelson Coutinho sobre a utilidade deste conceito para interpretar os primeiros governos de Luiz Inácio Lula da Silva. Em seguida, busca-se especificar qual o tipo de revolução passiva convém destacar para compreender o lulismo, em especial o que permite entendê-lo como uma forma de atualização do capitalismo no Brasil. Em seguida, passa-se à noção de crise de hegemonia e crise orgânica, argumentando serem mais úteis para pensar ao momento político atual, caracterizado pela combinação da crise em sua forma política e econômica.

Palavras chave: 1. Lulismo; 2. Revolução Passiva; 3. Crise Orgânica.

 

Passive revolution and crisis of hegemony in contemporary Brazil

Abstract: This article aims to reflect about the phenomenom of lulism and its crisis, based on certain categories developed by Antonio Gramsci in his Quaderni del Carcere. At first, we refered to the notion of passive revolution and to the debate opened by Carlos Nelson Coutinho about the usefulness of this concept to interpret the first governments of Luiz Inácio Lula da Silva. Next, we aimed to specify which type of passive Revolution we should highlight in order to understand lulism, especially the one that allows understanding it as a way of updating capitalism in Brasil. Lastly, we got into the notion of crisis of hegemony and organic crisis, by arguing they are more useful to think about the current political moment, which is characterized by the combination of a crisis in its political and economic forms.

Keywords: 1. Lulism; 2. Passive Revolution; 3. Organic Crisis.

Crise e Terror no Brasil


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Crise e Terror no Brasil

Resumo: O artigo aborda a crise política contemporânea no Brasil adotando como ponto de partida junho de 2013. Busca-se explicar o que levou setores das classes subalternas brasileiras às ruas, tendo como hipótese o esgotamento da disputa por hegemonia tal qual levado a cabo pelo PT em momento anterior e a ocupação deste lugar pelos chamados “novíssimos movimentos sociais”. As respostas à crise pelas classes dominantes, em especial a lei antiterrorismo e de modo geral a criminalização desses movimentos, é pensada como problema fundamental para pensar o futuro da esquerda.

Palavras-chave: 1. Classes subalternas; 2. Movimentos sociais; 3. Crise política.

 

Crisis and Terror in Brazil

Abstract: This article deals with the contemporary political crisis in Brazil and adopts as a fundamental starting point the events of June 2013. We aimed to explain what led sectors of the Brazilian subaltern classes to the streets, based on the hypothesis of the depletion of the dispute for hegemony as was accomplished by PT in a prior moment and the occupation of this place by the so-called “brand new social movements”. The answers to the crisis by the ruling classes, especially the anti-terrorist law and generally the criminalization of these movements, is thought as a fundamental issue to thnk about the future of the left.

Keywords: 1.Subaltern classes; 2. Social movements; 3. Political crisis.

Crise de direção na conjuntura do impeachment (2015-2016)


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Crise de direção na conjuntura do impeachment (2015-2016)

Resumo: Este artigo propõe o uso da noção de direção, tal qual desenvolvida por Antonio Gramsci em seus Cadernos do Cárcere, para pensar a especificidade do lulismo e da conjuntura de crise no Brasil que levou ao impeachment de Dilma Roussef. Para isso, retoma aspectos relevantes do que foi a direção lulista, a partir de suas contradições constitutivas e de seus resultados efetivos no sentido da diminuição da pobreza no país, e elabora hipóteses do porquê entra em crise e é suspenso a partir de 2014.

Palavras-chave: 1. Lulismo; 2. Crise de direção; 3. Impeachment

 

Crisis of leadership in the conjuncture of impeachment (2015-2016)

Abstract: This article proposes the use of the notion of leadership as developed by Antonio Gramsci in his Quaderni del Carcere, in order to think the specificity of lulism and the conjuncture of crisis in Brazil that led to the impeachment of Dilma Roussef. For this, we dealt with again with relevant aspects of what was the lulista leadership, based on its constitutive contradictions and its effective results in decreasing poverty in the country and we proposed hypotheses of why it   went into crisis and was suspended since 2014.

Keywords: 1. Lulism; 2. Crisis of leadership; 3. Impeachment